Título: Sem precedentes
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2009, Mundo, p. 18

Amorim diz que status de Zelaya na embaixada brasileira é difícil de definir e nega colaboração para seu retorno

Achamos que estamos contribuindo para o diálogo, e nossa embaixada não está interferindo em assuntos internos hondurenhos Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores

Refugiado, asilado ou hóspede? O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi pressionado ontem por senadores da oposição na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado (CRE) para dizer qual é o status do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, ao ser acolhido pela embaixada do Brasil em Tegucigalpa. ¿Asilado é quem quer sair do país. É o primeiro caso que eu conheço de asilo para ficar¿, criticou o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). Para ele, Zelaya deveria ter pedido o salvo conduto para ser recebido em alguma cidade brasileira. Já o senador Agripino Maia (DEM-RN) questionou se Zelaya seria um hóspede do governo brasileiro na embaixada.

Amorim se esquivou em definir a posição de Zelaya e qualificou a categorização como complexa. ¿O direito internacional não é fixo¿, disse. ¿As situações históricas se repetem de maneira sui generis¿, completou. O ministro explicou que a dificuldade em definir o status de Zelaya não significa que a postura do governo brasileiro em abrigá-lo não tenha sido correta. ¿O direito internacional nunca viu uma coordenação tão unânime contra um golpe de Estado¿, disse, listando as resoluções da Assembleia Geral da ONU e da OEA que defendem a restituição de Zelaya ao governo de Honduras.

¿Não sei o que teria acontecido caso o Brasil não o tivesse aceito na embaixada. Ele teria sido preso, morto ou estaria em uma serra planejando uma guerra civil. Achamos que estamos contribuindo para o diálogo, e nossa embaixada não está interferindo em assuntos internos hondurenhos¿, acrescentou Amorim.

Os parlamentares também queriam detalhes de como Zelaya chegou ao local e se havia conhecimento prévio do governo brasileiro sobre sua ida. O chanceler enfatizou então que, apesar de ter acolhido Zelaya, o Brasil jamais foi protagonista de seu plano de retorno a Honduras. ¿Houve um momento em que nos foi pedido um avião brasileiro para que ele retornasse e nós negamos¿, disse o ministro, acrescentando que a solicitação ocorreu há três meses. ¿Não soubemos, não participamos e fomos surpreendidos quando ele bateu às portas da embaixada¿, destacou Amorim.

Palanque O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, qualificou ontem, em Nova York, como ¿intoleráveis e inaceitáveis¿ as ameaças à embaixada do Brasil pelo governo interino de Roberto Micheletti. ¿O Conselho de Segurança condenou esses atos de intimidação. Eu também faço isso, em termos mais fortes¿, declarou. O presidente deposto, por sua vez, cobrou da ONU medidas ¿mais enérgicas¿ contra o governo interino de seu país, sobretudo no âmbito comercial. ¿Se for fechada apenas essa válvula (comercial), esse golpe se reverterá em 24 horas¿, afirmou.

Micheletti considera que a embaixada estaria servindo de escritório político para Zelaya. O assunto foi levantado pelos senadores brasileiros, que terminaram a reunião extraordinária pedindo um voto de repúdio a qualquer ameaça à representação diplomática brasileira, mas também ressaltando que o presidente deposto deve se abster de usar a embaixada como palanque. Amorim esclareceu que pediu a Zelaya para que ¿evite exageros¿. ¿Pedi, inclusive, para não usar mais a expressão `pátria, restituição ou morte¿. Morte é tudo que não queremos. Ele acatou¿, disse o ministro.

Para general, acordo está próximo

O chefe do Estado Maior de Honduras, general Romeo Vásquez Velásquez, um dos principais responsáveis pela expulsão de Manuel Zelaya do país, disse ontem que uma solução para o conflito entre o presidente deposto e o governo interino está próxima. Apesar de não especificar que tipo de ¿arranjo¿ está sendo feito, Velásquez afirmou que o próximo passo é ¿criar níveis de confiança apropriados¿ para tornar possível um acordo. ¿Vejo que rapidamente estamos chegando a uma solução, que é o que todos estamos esperando¿, disse.

Do lado de Zelaya, no entanto, a revolta ainda é visível. Numa entrevista coletiva, o presidente deposto conclamou os hondurenhos a reagirem contra o fechamento de uma rádio e de uma emissora de televisão. ¿Convoco o povo para que vá às ruas e exija que se devolva os meios de comunicação fechados, para que eles possam voltar ao ar.¿

Ontem, a volta de Zelaya a Honduras, que na véspera foi chamada de ¿irresponsável¿ pelo representante dos EUA na Organização dos Estados Americanos (OEA), Lewis Amseleem, foi mais uma vez criticada. A comissária para as Relações Exteriores da União Europeia (UE), Benita Ferrero-Waldner, disse que o retorno ¿complicou um pouco¿ a solução para a crise local. ¿Agora é preciso buscar a solução ainda mais rapidamente. Não temos muito tempo¿, disse Benita.

O Departamento de Estado norte-americano, por sua vez, assegurou que a crítica feita por Amseleem não significa uma mudança de posição sobre Honduras. ¿O que ele disse é totalmente coerente com nossa preocupação de que ambas as partes precisam tomar uma ação construtiva¿, declarou o porta-voz Philip Crowley. O Departamento ainda divulgou comunicado em que pede o fim do estado de sítio decretado no último domingo.

Em meio à polêmica, o presidente da Costa Rica e mediador do conflito, Óscar Arias, afirmou que seria inconveniente se a comunidade internacional isolasse o governo de Micheletti. ¿Devemos estar em comunicação com ele, para que escute nossos conselhos¿, disse Arias, em Miami. Ontem, o chanceler da Costa Rica, Bruno Stagno, anunciou que a missão de chanceleres da OEA, que viajaria amanhã a Honduras, adiou a visita para 7 de outubro. Amanhã, contudo, enviados da OEA chegarão a Tegucigalpa para se reunir com o chanceler interino, Carlos López. (IF)

Acertos de última hora

Isabel Fleck

A poucas horas da viagem de seis deputados brasileiros a Honduras, ainda faltava acertar ¿detalhes¿ fundamentais, como a autorização dos governos de Nicarágua e El Salvador para que o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que levará a missão sobrevoasse os dois países e a compra das passagens do trecho entre San Salvador e Tegucigalpa, que não pode ser feito pela aeronave oficial. Mesmo assim, o cronograma da viagem estava mantido com saída de Brasília marcada para as 8h de hoje e desembarque em Tegucigalpa à noite.

A expectativa é que, amanhã, os parlamentares conversem com parlamentares hondurenhos e com representantes da comunidade brasileira no país e que consigam entrar na embaixada para ver as condições da representação.

Ontem, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), ainda questionou a necessidade da viagem, mas a delegação parlamentar se mostrou determinada. ¿A esta altura, já temos uma agenda fechada com o Parlamento de Honduras, e seria muito complicado declinar¿, disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), coordenador da missão. Integram o grupo os deputados Marcondes Gadelha (PSB-PB), Maurício Rands (PT-PE), Ivan Valente (PSol-SP), Bruno Araújo (PSDB-PE) e Cláudio Cajado (DEM-BA), que ontem participaram de um almoço com o chanceler Celso Amorim.

Segundo os parlamentares, Amorim não deu orientações sobre a viagem. ¿Só ficou claro para nós que o diálogo do governo é um e o diálogo parlamentar é outro¿, disse Valente. Rands ressaltou que a missão tem ¿funções modestas¿ e que eles não devem falar com representantes do governo interino. ¿Nosso objetivo é preservar a segurança dos brasileiros que moram em Honduras e a incolumidade da missão diplomática brasileira.¿ Os deputados informaram que, ¿por conta da urgência¿, todos os gastos da viagem serão pagos pelos próprios parlamentares.