Título: Vítimas do descaso dos governantes
Autor: Zito, Andreia
Fonte: O Globo, 19/08/2012, Opinião, p. 15

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República acaba de anunciar que criou uma força-tarefa para intensificar a procura por quase 200 vítimas da tragédia da Região Serrana que ainda estão desaparecidas. O anúncio é feito um ano e meio depois do desastre que destruiu cidades como Nova Friburgo e Teresópolis. Dezenas de famílias continuam sem ter como enterrar seus parentes, obter certidões de óbito, dar andamento aos processos para obtenção de pensões para órfãos e viúvas. Enfim, são centenas de cidadãos que têm seus direitos negados.

Enquanto em outros países as buscas, em tragédias desse tipo, duram até três meses, na Região Serrana elas foram encerradas apenas trinta dias depois. Causa no mínimo estranheza o número oficial de mortos não chegar a mil, enquanto a companhia de energia elétrica informa que recolheu na área cerca de nove mil medidores de luz que pertenciam a imóveis que foram destruídos.

A inércia do governo na busca dos corpos soterrados tem paralelo no descaso das autoridades em relação ao desaparecimento de crianças e adolescentes. Ambas as situações revelam a incapacidade do governo em lidar com a questão dos desaparecidos sob todas as vertentes.

Por exemplo: enquanto na tragédia da Região Serrana o governo propõe uma ação um ano e meio depois, no caso das crianças e adolescentes desaparecidos em todo o país, o governo não tem nenhuma ação concreta, sequer consegue fazer funcionar o cadastro nacional.

A pergunta é: quais as chances de êxito nessas buscas? O tempo, nos dois casos, é fator decisivo. Nos dois casos, o governo mascara os números e somente em função de denúncias feitas pela imprensa vem a público dar explicações e apresentar alguma medida retardatária.

Em novembro de 2010, apresentei na Câmara dos Deputados o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Desaparecimento de Crianças e Adolescentes. A CPI concluiu que o Estado brasileiro não tem tratado esse problema com a devida seriedade.

Esse descaso começa, principalmente, com a falta de investimentos em delegacias especializadas - uma das principais recomendações da CPI. Da mesma forma, parece não haver empenho nem respeito em relação ao drama de centenas de pessoas que esperam alguma resposta, algum sinal do governo, que ponha fim à espera de quem tem parentes desaparecidos sob os escombros na Serra fluminense. Os governos precisam começar a encarar com respeito a angústia e o sofrimento de todas as vítimas.