Título: Tudo o que aconteceu foi preparado, tanto massacre quanto julgamento
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Fonte: O Globo, 23/08/2012, O Mundo, p. 34

Dois meses após perder o cargo, ex-líder paraguaio não acredita em reverter a decisão na Justiça e promete denunciar "barbaridade" à Corte Interamericana de Direitos Humanos

BUENOS AIRES Há dois meses, o ex-presidente do Paraguai Fernando Lugo foi destituído pelo Parlamento num processo de impeachment questionado por todos os governos da região. Hoje, o Paraguai está isolado política e economicamente, e Lugo lidera uma resistência pacífica ao governo de seu ex-vice-presidente e sucessor, Federico Franco. Em entrevista ao GLOBO, o ex-presidente confirmou que nos próximos dias apresentará uma denúncia contra seu país na Corte Internamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA).

Como a sua vida mudou após deixar a Presidência?

Temos uma mesa de trabalho que se reúne com frequência para debater diversas questões. Estamos na Frente Guasú, integrada por 20 partidos e movimentos de esquerda. Somos um espaço de resistência, em várias frentes, em não aceitar o governo de Franco, porque é ilegal e ilegítimo. Fizemos denúncias no próprio Parlamento e na Justiça, mas nosso esforço está se esgotando e possivelmente não obteremos resultados positivos. Isso nos levará a recorrer a tribunais internacionais.

Qual o primeiro recurso a ser apresentado no âmbito internacional?

Em poucos dias, vamos apresentar uma denúncia na Corte Internamericana de Direitos Humanos da OEA, onde continuam abertos vários processos contra o Paraguai. Nosso país é conhecido por sua fragilidade institucional do ponto de vista jurídico e, em muitos casos, os processos vão parar na OEA.

Qual é seu objetivo?

Queremos denunciar a barbaridade que foi cometida no Paraguai. Sabemos que não estão dadas as condições para que recuperemos o governo, porque a Corte Suprema hoje é refém do Executivo. Os magistrados são ameaçados pelo governo e pelo Parlamento, que prometem realizar um impeachment dos membros da Corte se minha denúncia prosperar. Os poderes deveriam ser autônomos e independentes, como diz a Constituição, mas não são.

O senhor se arrependeu, em algum momento, de ter aceitado a decisão do Congresso tão rápido?

Não tínhamos outra saída. Tudo o que aconteceu foi preparado, tanto o massacre que precedeu o impeachment, como o julgamento político. No dia de meu julgamento, o cenário era o mesmo, o risco de que outros paraguaios inocentes morressem era muito grande.

Muitos especulam sobre sua candidatura à Presidência em 2013...

A Constituição estabelece que todos os presidentes que concluíram seus mandatos passam a ser senadores vitalícios, e isso impede novas candidaturas. Mas eu não terminei meu mandato e não sou senador vitalício. Portanto, posso concorrer livremente em novas eleições. Estamos discutindo na Frente Guasú e nossa meta é ter uma única lista de candidatos ao Parlamento, e eu seria a cabeça dessa lista, como candidato a senador. Uma candidatura presidencial abriria uma discussão jurídica muito polêmica. E com a atual Corte Suprema não acredito que essa iniciativa possa prosperar. (J.F.)