Título: Desarmamento nuclear: a dívida de Obama
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Fonte: Correio Braziliense, 28/09/2009, Opinião, p. 12

O presidente dos Estados Unidos assumiu de fato na semana passada, nas Nações Unidas, a liderança do processo de desarmamento nuclear mundial. Para além da retórica exortação aos países do Clube Atômico, conseguiu aprovar resolução no Conselho de Segurança da ONU pelo fortalecimento do Tratado de Não Proliferação (TNP) e uma convocação, para 2010, de reunião específica sobre o tema naquele fórum internacional. Sem falsas ilusões, Barack Obama já tinha dito em abril que talvez não viva o suficiente para ver a meta atingida, mas que a perseguiria. O que o move é a ¿responsabilidade moral¿ de ter sido o seu país o primeiro a fazer uso da poderosa arma, com os ataques às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, ação que pôs fim à Segunda Guerra, em 1945.

Desde a dissolução da União Soviética, em 1991, e o fim da Guerra Fria, foi de 2003 para cá que o terror de uma explosão nuclear voltou a pairar mais intensa e assustadoramente sobre a humanidade. Naquele ano, a Coreia do Norte rompeu com o TNP, à época com 187 signatários. Não demorou para a ditadura comunista realizar dois testes nucleares: o primeiro em 2006, o segundo em maio último, esse com potencial equivalente ao da bomba de Hiroshima. Até a chegada de Obama à Casa Branca, as tensões cresciam e o ambiente se deteriorava rapidamente sob a administração de George W. Bush, cuja política externa era ostensivamente belicosa e unilateralista. Ao lado da degradação ambiental do planeta, do aquecimento global e do terrorismo, a ameaça nuclear passou a ocupar lugar de destaque na agenda internacional, na qual também pontua agora a crise financeira.

O discurso multilateralista de Barack Obama era a esperança de distensão, de negação do isolacionismo. Alivia saber que ele não só está empenhado em transformar as promessas em realidade, como vai além. Afinal, o Tratado de Não Proliferação fracassou bem antes de Bush. Firmado em 1968 pelos Estados Unidos, a então União Soviética, o Reino Unido, a China e a França, jamais conseguiu conter a disseminação das armas nucleares. O maior sucesso do grupo que o integra talvez tenha sido convencer a África do Sul e a Líbia a não seguirem o exemplo dos cinco e desistirem de se tornarem também potências atômicas. Em compensação, o clube cresceu. Índia, Paquistão, Coreia do Norte e, possivelmente, Israel se juntaram ao time. Se nada for feito, e aí deve entrar em cena o fortalecimento do TNP aprovado na ONU, logo será a vez do Irã.

Obama é mais do que um orador poderoso. O presidente dos EUA convence também pela coerência, pela credibilidade que vai acumulando em seu ainda incipiente mandato. Está credenciado a liderar a empreitada de livrar o mundo, se não do todo, pelo menos de boa parte do arsenal nuclear. Não há razão para duvidar da disposição dele. Mais: negociador hábil, soube recuar e abdicou de dirigir a resolução para as questões iraniana e norte-coreana. Obteve a aprovação por unanimidade. Verdadeiro, diz que reduzirá os estoques do seu país, mas manterá a capacidade nuclear enquanto houver ameaça. Falta, contudo, dar um passo decisivo: ratificar o acordo que proíbe os testes, o que Washington continua devendo.