Título: Diplomacia do futuro
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 01/10/2009, Política, p. 4

Nada impede que uma empresa estrangeira bata à porta da Autoridade Internacional de Fundos Marítimos, em Kingston, na Jamaica, e tire uma lasca da picanha azul do pré-sal. Tudo bem que não é tão simples assim, mas o risco existe

As cenas são de um mesmo governo. Assim que o PT fez a festa do marco regulatório do pré-sal em Brasília, seus parlamentares desfilaram com um adesivo escrito ¿o pré-sal é nosso¿. Só que o governo brasileiro ¿ em especial, aqueles que deveriam cuidar dos interesses internacionais do Brasil ¿ pouco fez para garantir o que tudo o está na lapela dos petistas seja mesmo dos brasileiros das futuras gerações.

Já é sabido que parte das reservas petrolíferas dos blocos de Guará e de Júpiter estão fora das 200 milhas náuticas que formam a Zona de Exploração Econômica a que o Brasil tem direito. E não é á toa que, desde 2004, o país pede à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), instância da Organização das Nações Unidas (ONU) a extensão da ZEE por mais 963.000km². Em 2007, o Brasil levou um pedaço desse pedido, mais 200.000km², 20% da plataforma continental brasileira, justamente, a franjinha do pré-sal.

E é fato que petróleo e gás não são as únicas riquezas dando sopa no mar. A Marinha está fazendo um levantamento de tudo o que há no subsolo marítimo brasileiro, a que eles batizaram há algum temo de Amazônia Azul. A nova proposta de ampliação da plataforma continental será apresentada em 2011, quando o governo Lula já terá passado.

Entre os militares, há quem diga que sob a água há ouro, diamante, ferro, manganês, isso sem contar a biodivesidade de algas e esponjas ¿ algumas até já patenteadas por países estrangeiros, como, a Dicodermia dissoluta ¿ o nome é esquisito, mas as propriedades medicinais de combate ao câncer de pulmão dizem que são excelentes.

Os Estados Unidos, por exemplo, já autorizaram a exploração mineral em sua plataforma continental. No Brasil, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) já recebeu diversos pedidos, mas não se pronuncia porque não há ainda nada que regulamente essa exploração mineral no mar. Por enquanto, explora-se apenas o petróleo e o pré-sal, que nem está de todo assegurado para o Brasil.

Hoje, asseguram os militares, nada impede que uma empresa estrangeira bata na porta da Autoridade Internacional de Fundos Marítimos, em Kingston, na Jamaica, e peça para colocar uma plataforma de petróleo fora das milhas náuticas brasileiras e tire uma lasca da picanha azul do pré-sal. Pode fazer o mesmo no caso dos minérios. Tudo bem que não é tão simples assim, mas o risco existe. Por isso, seria ótimo se o ministro Celso Amorim, neopetista, tivesse esse tema como prioridade.

Por falar em Amorim¿

Quem conhece do traçado da política internacional, garante que a defesa da extensão das milhas náuticas na ONU tem tudo a ver com a diplomacia do seu futuro. É por aí que o mundo cada vez mais carente de recursos naturais em terra seca tende a se voltar.

Só que, por enquanto, poucos pensam nesse futuro. Talvez se uma maioria estivesse com os olhos voltados a temas como esse, o Brasil não teria caído na arapuca de ter Manoel Zelaya, em Honduras, transformando a nossa Embaixada, a nossa casa, em palanque. O resultado é que hoje a diplomacia brasileira ficou numa saia tão justa que ninguém aposta em apoios de peso, seja para ingressar no Conselho de Segurança da ONU, seja para ampliar a extensão da plataforma continental. Afinal, é aí ¿ na área de segurança política e espaço para exploração econômica que todos os interesses do Primeiro Mundo se cruzam, e nós, emergentes, patinamos.