Título: O primeiro passo rumo à paz
Autor: Sorano, Vitor
Fonte: O Globo, 28/08/2012, O Mundo, p. 25

Governo colombiano anuncia abertura de diálogo com as Farc para pôr fim a conflito

Aceno. Santos cumprimenta últimos reféns militares libertados pela guerrilha: sinal de abertura

Resistência. Corpos e restos de um carro-bomba que explodiu anteontem em Meta: confronto aberto adotado pelo governo Álvaro Uribe enfraqueceu, mas não venceu a narcoguerrilha

AFP/3-4-2012

AFP/26-8-2012

mudança de estratégia

Numa reversão da política de enfrentamento sem tréguas posta em vigor nos últimos dez anos pelo seu antecessor e padrinho político Álvaro Uribe e nos primeiros anos de seu governo, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, decidiu abrir diálogo para a obtenção de um acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), narcoguerrilha marxista que assombra o país há 48 anos.

No início da noite de ontem, o próprio Santos confirmou o início das negociações e afirmou que mais detalhes seriam divulgados nos próximos dias.

- Quero manifestar claramente que essa aproximação se baseia em três pontos: aprender com os erros do passado; qualquer processo deve levar ao fim do conflito, não a seu prolongamento; e se manterão as operações e a presença militar sobre cada centímetro do território nacional - afirmou.

Segundo a TV estatal venezuelana Telesur, um acordo preliminar teria sido firmado ontem por emissários do governo colombiano e da guerrilha em Cuba, prevendo uma primeira reunião em Oslo, na Noruega, no dia 5 de outubro. De acordo com a agência Reuters, as negociações incluiriam condições como a não extradição de chefes da guerrilha, como exigem os EUA sob acusações de narcotráfico e terrorismo. O presidente Barack Obama estaria ciente da nova tentativa de diálogo, que teria começado a ser discutida entre Santos e os presidentes de Cuba, Raúl Castro, e da Venezuela, Hugo Chávez, num encontro em março em Havana.

Além da questão das extradições, a agenda de negociação incluiria, pela primeira vez, temas até então tabus, como a desmobilização dos guerrilheiros, o fim das hostilidades e a entrega de armas. Dois ex-presidentes tiveram os nomes cotados para liderar o processo de negociações: César Gaviria (1990-94)e Ernesto Samper Pizano (1994-98).

CRÍTICAS DE URIBE

A retomada das conversas pode ser considerada a terceira tentativa concreta de encontrar uma saída negociada para o conflito. Fundadas em 1964, quando 48 guerrilheiros de inspiração comunista conseguiram derrotar uma tropa de milhares de soldados, as Farc chegaram ao seu auge no fim da década de 1990, quando contavam com 17 mil combatentes. Na ocasião, o então presidente, o conservador Andrés Pastrana, deu início à segunda tentativa de diálogo - a primeira ocorrera na década de 1980. Pastrana chegou a oferecer uma zona desmilitarizada de área equivalente ao território da Suíça para destravar as conversas. Em vão: a guerrilha aproveitou para se fortalecer.

Sucessor de Pastrana, Álvaro Uribe chegou ao governo em 2002 adotando uma postura de confronto aberto e intransigência - conduzida entre 2006 e 2009 pelo próprio Santos, então ministro da Defesa. Com apoio americano, eles conseguiram reduzir o efetivo da guerrilha a cerca de 8 mil, mas foram incapazes de acabar com o conflito. Ontem, pelo Twitter, Uribe atacou a hipótese de diálogo, dizendo que "para chegar a negociações, o governo enfraqueceu a segurança e permitiu aos terroristas se recomporem".

Desde que assumiu, em 2010, Santos manteve a repressão, mas abriu as primeiras brechas para o diálogo. Sob o seu governo, foram mortos líderes importantes da guerrilha, como Alfonso Cano e Mono Jojoy. Ao mesmo tempo o presidente levou à frente iniciativas como o Marco Jurídico para a Paz, que permite a guerrilheiros desmobilizados participarem da vida política.

O comportamento das Farc seguiu uma estratégia semelhante. Os ataques à infraestrutura e a civis continuaram: anteontem, seis pessoas, incluindo duas crianças, foram mortas nas explosão de uma bomba atribuída à guerrilha no Sudoeste do país. Mas, neste ano, as Farc anunciaram o abandono dos sequestros com fins de extorsão, libertaram os últimos policiais e militares que mantinham como reféns e se mostraram dispostas a negociar. Santos, porém, recusou publicamente qualquer conversa que tivesse precondições.

Para Pedro Medellín, professor de Direito Penal da Universidade Nacional da Colômbia e analista do conflito, as medidas fazem parte do conjunto de sinais que a guerrilha e o governo Santos enviaram um ao outro antes de que a hipótese do diálogo viesse à tona.

- Qualquer solução que possa ser dada ao conflito fora a guerra é bem-vinda. A Colômbia gasta 5% de seu PIB com as despesas relacionadas ao conflito armado - disse ao GLOBO, ressaltando que Santos não terá a possibilidade de oferecer anistia. - Os tempos são outros. Hoje há o Tribunal Penal Internacional que estabelece que não há prescrição para alguns tipos de crimes.

O presidente do Congresso colombiano, Roy Barreras, disse apoiar qualquer iniciativa de paz "para tentar terminar este conflito absurdo e inútil."

APOIO POPULAR À NEGOCIAÇÃO

Caso tenha sucesso, Santos poderá buscar a reeleição com a credencial de ter sido o chefe de Estado que conseguiu pôr fim à violência. Uma pesquisa feita nas principais cidades do país e divulgada na semana passada aponta que 74% dos colombianos apoiam a abertura de diálogo.

Para Alfredo Rangel, analista do conflito, é de olho nessa cartada que, a 20 meses da eleição, o presidente acena, equivocadamente, com a negociação.

- O governo perdeu o apoio da opinião pública. O diálogo seria uma modo de tentar recuperar esse apoio. Mas é uma decisão de alto risco, pois não há garantia de que se chegará a um acordo de paz - disse. - Pelas experiências anteriores, o que se prevê é que a guerrilha realize mais atos terroristas para pressionar na mesa de negociações.