Título: O Ipea pode contribuir mais. Tenho como desafio unir a instituição
Autor: Oswald, Vivian; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 28/08/2012, Economia, p. 23

Economista diz que pretende buscar o "caminho do meio", para conciliar Estado forte e setor privado, bem como as diferentes correntes teóricas na hora de formular políticas públicas no Brasil

Brasília e Rio Nomeado presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), o economista Marcelo Neri comemorou a indicação e ressaltou que ela não se deve a qualquer vínculo político. Ele disse ao GLOBO sentir-se incomodado pela "disputa clubística", que opõe PUC e Unicamp, e destaca que vai buscar o "caminho do meio". "Sou filho da PUC, com muito orgulho". Neri era coordenador do Centro de Políticas Sociais da FGV. A presidência do Ipea era ocupada interinamente por Vanessa Petrelli, após Márcio Pochmann deixar o cargo para disputar a Prefeitura de Campinas pelo PT.

Como é voltar ao Ipea?

Traz uma sensação boa. É uma virada de 360 graus. Nunca pensei. Não que nunca tivesse pensado em trabalhar no Executivo, mas tinha uma certa resistência. Em 2001, fui procurado por todos os candidatos à presidência para fazer planos de governo. O único que não me convidou foi o Lula. Sempre me mantive à margem disso. Agora, quando surgiu a possibilidade, pensei: se eu não for agora, não serei mais nada nessa área. O Ipea pode contribuir mais. Pode aumentar sua importância. Tenho como desafio unir a instituição.

E como o senhor pretende vencer esse desafio? Na gestão de Márcio Pochmann, os funcionários chegaram a escrever uma carta aberta...

Percebo essa divisão interna e a riqueza que lá existe. Vamos respeitar a pluralidade. Mas podemos dar um salto. Temos dez grandes departamentos de Economia. Temos de ter uma produção condizente com isso.

Os comunicados da presidência, criados durante a gestão de Pochmann, vão continuar?

Não sei. Tentarei ser mais um veículo, um facilitador para que as ideias que existam na casa venham à tona. Não pretendo aposentar minhas chuteiras como pesquisador. O trabalho é mais de unir a equipe do que fazer minha agenda. Mas seriam comunicados do Ipea, não da Presidência.

Como foi sua saída do Ipea?

Foi no meio do bug do milênio, em 31 de dezembro de 1999. Realizei uma série de estudos. Pegaram meus estudos e fizeram uma nota. Mas ninguém pediu minha cabeça, como chegou a ser comentado. Senti-me um pouco restrito em minha liberdade, e surgiu a oportunidade na FGV. Sou filho da PUC, mas nascido e criado na tradição do Ipea.

Os estudos sobre classe média continuarão?

Classe média é uma agenda importante para SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos). Moreira Franco (o ministro responsável pela secretaria) se preocupa bastante com o papel dessa nova classe média.

O senhor já se reuniu com a equipe? Sua base será o Rio ou Brasília?

Ficarei em Brasília. Ainda não me reuni com a equipe. Preferi, primeiro, ver a nomeação no Diário Oficial.

De que temas pretende tratar à frente do Ipea?

Tem os temas com que eu mexo agora, mas vou ter de ouvir as pessoas. Ser um generalista na área social.

Uma crítica dos últimos anos foi que o Ipea sofreu um esvaziamento por ter sido politizado...

É importante o lado do Ipea servindo a sociedade e formando o debate público, está no seu DNA. O Ipea conseguiu debater políticas públicas na época da ditadura. Um grande desafio é o que o Ipea faz no desenho de políticas, na prática.

Como vê o Ipea?

É um lugar de ideias, de planejamento, de economicidade, mas também de ação. É isso o que eu gostaria de mostrar. O governo tem que se sentir municiado.

Como o senhor reage aos comentários sobre divergências entre economistas da PUC, liberais, e da Unicamp, desenvolvimentistas?

Eu sou filho da PUC, com muito orgulho. Agora, chamar o pessoal da PUC de neoliberal... Acho que pode ser liberal no sentido americano, democrata. Estudo pobreza, combate da desigualdade, que acho que é principal bandeira da esquerda. Mas não abro mão da eficiência. A escolha do Brasil é esse caminho do meio, que é ter o Estado forte e o setor privado forte.

O senhor representa o equilíbrio?

O meu é o caminho do meio. Não só entre Estado e setor privado, entre diferentes correntes teóricas, mas presente e futuro. E me incomoda ouvir "ele está ganhando um prêmio porque elogiou o governo". Fui o único a mostrar que a pobreza aumentou no primeiro ano do governo Lula.