Título: As frentes na luta contra a corrupção na política
Autor:
Fonte: O Globo, 29/08/2012, Opinião, p. 20

Devido a contingências históricas, a Região Metropolitana carioca serviu de berçário a uma série de distorções cujo resultado é uma representatividade política degradada. Sem discutir causas, o chamado Grande Rio, incluindo a capital, tem sido campo fértil para a proliferação do populismo, clientelismo e patrimonialismo. Já foi pior, mas a questão continua séria.

Do reinado de Tenório e sua metralhadora "Lurdinha", em Caxias, às bicas d"água do chaguismo e à proteção à favelização dada pelo brizolismo, além de outras práticas do assistencialismo populista, o processo de escolha de representantes foi intoxicado pelas piores mazelas do jogo político-eleitoral. Justiça se faça a cariocas e fluminenses, o quadro não é exclusividade da região. Mas passou a haver uma reação da sociedade a este estado de coisas, da qual a Lei da Ficha Limpa é, por enquanto, o principal produto.

A luta contra a corrupção na política partidária, porém, é difícil, e precisa ser travada em várias frentes. Uma delas é o julgamento do mensalão. Outra, a atual campanha às eleições municipais. A Ficha Limpa constitui um reforço-chave à Justiça Eleitoral para que ela possa exercer o papel de guardiã da Constituição no que se refere aos requisitos de probidade e retidão exigidos pela Carta aos candidatos a cargos eletivos.

Mas, mesmo antes desta lei, a legislação já permitia a repressão a práticas deletérias de obtenção de votos. Coibir "centros sociais", por exemplo, em que candidatos assumem o papel de Estado e privatizam serviços públicos, para trocá-los por votos. E, mais grave, usando o próprio dinheiro do contribuinte.

Nesta campanha, têm surgido casos emblemáticos de desvios no exercício da política, talvez porque a Justiça Eleitoral se mostre ativa na repressão à compra do voto - feita por meio de diversas moedas. E também pela coerção, no caso das áreas de milícias e outros tipos de quadrilhas.

Reportagem publicada pelo GLOBO, sobre o centro social Projeto Renascer, em São Gonçalo, do candidato a vereador Manoel Júlio (PSC), "Julinho do Renascer", revela o nível de distorção a que chega uma campanha que mobiliza recursos do poder público e os coloca a serviço de um projeto pessoal. Populismo patrimonialista clássico em altas doses.

Este tipo de centro social chega a ser epidêmico em áreas da Região Metropolitana carioca. Serve de moeda na operação de comercialização de votos: assistência em troca de apoio eleitoral. O modelo do Renascer é até mais degradante, porque usa, para atender eleitores, médicos da própria Secretaria municipal de Saúde de São Gonçalo. No material apreendido, há até receitas de medicamentos controlados assinadas em branco.

Ainda falta muito para se chegar a um nível ético aceitável de exercício da política. Mas o caminho passa por denúncia destes casos e ação imediata de polícias, Ministério Público e Justiça.