Título: Ao estilo Jânio, Dilma veta acordo
Autor: Damé, Luiza; Krakovics, Fernanda
Fonte: O Globo, 31/08/2012, O País, p. 12

Como seu antecessor nos anos 60 costumava fazer, presidente se vale de troca de bilhetes para repreender ministras por negociação que não autorizou

Brasília

Apresidente Dilma Rousseff desautorizou, ontem, acordo fechado pelos governistas no Congresso, com a bancada ruralista, que permitiu a votação do novo Código Florestal, na comissão especial, reduzindo a proteção ambiental. Dilma manifestou sua insatisfação logo de manhã, por meio de bilhetes trocados com ministros e flagrados pela imprensa. As negociações voltaram à estaca zero.

Irritados, os ruralistas, que são maioria, prometem restabelecer, no plenário da Câmara, o fim da área de proteção aos rios que secam parte do ano. Com o impasse, a medida provisória corre o risco de perder a validade em 8 de outubro, o que levará insegurança jurídica ao campo, principalmente para investimentos.

Na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ontem de manhã, Dilma enviou um bilhete para as ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente), cobrando explicações sobre o acordo que mudou o texto do governo. Depois, aproveitou seu discurso para dar um recado: disse que não se responsabiliza por negociações das quais o governo não participa.

- Enviamos ao Congresso um Código Florestal acrescido de uma medida provisória. O governo considera importante alguns itens dessa medida provisória (...) E também não vê motivos econômicos para que não mantenhamos as áreas de proteção ambiental ao longo do leito dos rios, perenes ou não. O governo está aberto a negociações, mas não assume responsabilidade por negociações que não foram feitas com a presença dele - disse Dilma.

Ela se referiu à diminuição, aprovada na comissão especial, das faixas mínimas de recuperação da vegetação exigidas em áreas de proteção na beira de rios. Essa mudança permitiu o fechamento do acordo e a volta da proteção aos cursos d"água que secam parte do ano. Em nome do governo, o senador Jorge Viana (PT-AC) concordou em reduzir de 20 para 15 metros a faixa de recuperação da vegetação, em beira de rios, no caso de propriedades médias com cursos d"água até 10 metros de largura. A regra vale para quem desmatou área de preservação até 22 de julho de 2008. Já propriedades maiores tiveram a faixa mínima de recuperação reduzida de 30 para 20 metros, sem importar a largura do rio.

dilma em bilhete: "eu não sei de nada"

No bilhete às ministras, Dilma cobrou: "Porque (sic) os jornais estão dizendo que houve um acordo ontem no Congresso sobre o Código Florestal, se eu não sei de nada?". Izabella respondeu em outro bilhete que não houve acordo, mas, pela expressão em seu rosto, Dilma não gostou da resposta.

Após a reunião do CDES, Ideli se reuniu com Dilma; em seguida, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) divulgou nota em que afirma que a votação do Código Florestal na comissão especial "não teve aval ou concordância" do governo. Segundo a nota, as ministras conversaram com os parlamentares e defenderam o texto do governo, especialmente o artigo 61, que trata da recuperação das áreas degradadas e estabelece a chamada "escadinha": o percentual de recuperação aumenta conforme o tamanho da propriedade.

"O governo sempre deixou claro que o ideal era manter a proposta original", diz a nota da SRI. Para o governo, esse dispositivo "produz equilíbrio socioambiental ao determinar que todos precisam recuperar áreas de preservação, mas quem tem mais terras, deve recuperar mais".

Desde que foi derrotado, no último dia 7, em votação na comissão especial, quando os ruralistas retiraram a proteção aos rios intermitentes, o governo tenta se descolar das negociações do novo Código Florestal. Diz que o assunto é do Congresso. Mas as reuniões sobre o assunto são no Palácio do Planalto, com Ideli, Izabella, Gleisi Hoffman (Casa Civil), Mendes Ribeiro (Agricultura), Jorge Viana e o relator da MP na comissão especial, senador Luiz Henrique (PMDB-SC).

- Foi um entendimento parlamentar, sem a participação do governo. Mas acho que, quando os assessores dos ministros lerem melhor o texto, vão ver como conseguimos evitar um desastre maior (fim da proteção dos rios intermitentes) - disse Viana, evitando polemizar. - Os plenários da Câmara e do Senado são soberanos. Se respaldarem o acordo, não acredito que a presidente vá vetar.

CAIADO: "CONGRESSO NÃO É CARTÓRIO"

Presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, o deputado Homero Pereira (PSD-MT) disse que, se o acordo não valer para a recuperação da vegetação ao longo dos cursos d"água, também não valerá para a proteção aos rios intermitentes:

- Quer dizer que para os rios intermitentes está tudo ok, mas para a escadinha não vale? Da nossa parte está mantido o acordo, se não os rios intermitentes voltam no plenário da Câmara, ou então a MP cai.

O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), da bancada ruralista, disse que a desautorização do acordo abre um precedente perigoso:

- O Congresso não é um cartório escriturário do Planalto. Vive de acordos, e o único instrumento que temos é a palavra dada. Assim fica impossível. É um precedente gravíssimo.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 31/08/2012 03:56