Título: Parceria disputada
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 01/09/2012, O Mundo, p. 34

China e Brasil aceleram investimentos no país, em reconstrução após décadas de guerra

Sem surpresas. Eleitores fazem fila para votar na periferia de Luanda: Santos, há 33 anos no poder, deve vencer

Por enquanto, ainda há lugar para todos. Mas quando aparecerem as primeiras crianças angolanas de olhos puxados, alerta o empresário carioca Ronaldo Chaer, será hora de acender a luz vermelha nos negócios brasileiros com Angola. Chaer, que preside a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Angola da Associação Comercial do Rio, disse que a crescente presença da China no país africano, embora incomode, só representará uma real ameaça aos tradicionais parceiros comerciais do governo de José Eduardo dos Santos, como Brasil e Portugal, quando ultrapassar o campo das relações comerciais e invadir a vida social, ganhando de vez a simpatia do povo.

Para enfrentar a invasão asiática, farta em créditos e mão de obra barata, as empresas brasileiras tentam fazer a diferença de duas formas: aprofundando as identidades culturais, que remontam à época das colônias do império ultramarino português, e intensificando a transferência de tecnologia e de outros saberes. Enquanto os chineses trabalham com pacotes fechados, trazendo da Ásia os operários que trabalham nos seus projetos, construtoras como a Odebrecht, que já tem 93% de sua mão de obra arregimentada em Angola, preferem apostar na qualificação do trabalhador local.

Na primeira metade dos anos 1970, quando o regime militar brasileiro preparava o terreno para o reconhecimento da independência angolana, a China apostava suas fichas na Unita, a guerrilha adversária do Movimento Popular de Libertação de Angola, do presidente Santos. Passados 40 anos, o cenário é outro. A Unita se enfraqueceu, a paz se consolidou e os chineses passaram à condição de grandes parceiros do governo do MPLA. Em 2010, os angolanos receberam só do China Development Bank mais de US$ 1,5 bilhão em empréstimos. A China, por sua vez, ficou no ano passado com 35% do petróleo angolano, enquanto os EUA, 17%.

No que diz respeito ao Brasil, o esforço de reconstrução de um país devastado por três décadas de guerra civil, somado à indústria petrolífera, ainda é o carro-chefe das relações bilaterais. Além da Odebrecht, outras grandes empreiteiras brasileiras (Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão) dividem com a Petrobras a posição de destaque entre as mais de 200 empresas nacionais que operam no país. Porém, para manter Angola como a cabeça de ponte de seus interesses na África, o Brasil sabe que terá de fazer mais. Um dos mercados mais promissores é hoje a produção de alimentos, mas a saída talvez esteja num caminho não tão óbvio: a multiplicação dos pequenos e médios negócios.

BNDES E KNOW-HOW A FAVOR

No país do petróleo e do diamante, as melhores oportunidades podem surgir bem longe dos poços de Cabinda ou das minas de Dundo. Se cumprir os programas de campanha, cujo slogan foi "Angola, a crescer mais para distribuir melhor", Santos deve inaugurar uma era de combate à desigualdade social, foco das críticas mais contundentes a seu longevo governo. Para quem se lembra da explosão de indústrias de biscoito no Brasil, alavancadas pelo Bolsa Família, essa pode ser a senha para o novo empreendedor no país.

Para os interessados brasileiros, dois aliados fundamentais: o aporte de US$ 2 bilhões em crédito, prometido pelo BNDES às empresas brasileiras estabelecidas em Angola (m dos maiores financiamentos externos do banco), e o conhecimento prévio das políticas de distribuição de renda, já que a maior parte delas, como o projeto "Meu negócio, minha vida", é inspirada na experiência deste lado do Atlântico.