Título: Sem trégua até a paz
Autor: Damé, Luiza; Sorano, Vitor
Fonte: O Globo, 05/09/2012, Mundo, p. 27

Santos anuncia que manterá ações contra as Farc durante negociações para fim do conflito

diálogo na colômbia

BRASÍLIA e RIO Numa mudança radical em relação à última tentativa de diálogo, o governo de Juan Manuel Santos vai negociar com as Forças Armadas da Colômbia (Farc) sem suspender as operações militares contra a guerrilha nem oferecer zonas desmilitarizadas no país. Em pronunciamento, o presidente previu o fim do conflito que já dura meio século numa questão de "meses e não de anos". O primeiro encontro ocorrerá em Oslo, no dia 15 de outubro, e contará, além da Noruega, com apoio de Cuba, Venezuela e Chile. Os negociadores da guerrilha receberão salvo-conduto para poder participar.

Fruto de um pequeno grupo armado de inspiração marxista-leninista nascido na década de 60, as Farc protagonizam hoje o principal conflito armado na América Latina. A guerrilha tem entre 8 mil e 9 mil membros, metade do efetivo de fins do século passado, quando o então presidente Andrés Pastrana tentou a última saída negociada. Pastrana cedeu à insurgência uma zona desmilitarizada do tamanho da Suíça e, por diversas vezes, debateu condições para um cessar-fogo. Os acordos fracassaram.

- Temos convicção que há uma oportunidade real para pôr fim ao conflito interno. Este acordo é diferente porque não tem zonas desmilitarizadas e não tem cessar-fogo - disse Santos ao anunciar, ontem,o fim da primeira fase do novo processo de negociação. - É diferente porque as conversações não terão um tempo ilimitado. Será medido em meses e não em anos.

A postura condiz com os modos do presidente no manejo do conflito. Ex-ministro da Defesa de Álvaro Uribe (2002-2010), que com grande apoio dos EUA adotou uma postura de confronto intransigente, Santos tem agido em duas frentes: foi responsável por matar alguns dos principais líderes das Farc, como Alfonso Cano e Mono Jojoy, e por aprovar a reforma constitucional que lhe dará os instrumentos legais para negociar, como permissão aos desmobilizados de participar da vida política. A guerrilha também tem mesclado ataques com sinais de abertura: no início do ano, abandonou os sequestros e libertou os últimos militares reféns.

- A saída não é a guerra, mas o diálogo civilizado. Voltamos a uma mesa de negociação com o aval da comunidade internacional - disse, em vídeo, Rodrigo Londoño, o Timochenko, líder máximo das Farc, ao confirmar a assinatura do acordo geral para "o fim do conflito e o estabelecimento de uma paz estável e duradoura", no último dia 27, em Havana.

O processo será em três fases, sendo a que a inicial foi concluída com a assinatura do acordo geral. A segunda começa com o encontro em Oslo, segue em reuniões em Havana e termina com a elaboração do acordo final de encerramento do conflito. A terceira é a implementação do que foi definido. Segundo o chefe do Ministério Público, Eduardo Montealegre, Santos vai determinar a suspensão das ordens de prisão, inclusive internacionais, contra guerrilheiros que participarão das negociações.

GUERRILHEIROS TERÃO DIREITOS POLÍTICOS

O acordo geral divulgado ontem tem cinco pontos. Além dos relacionados diretamente ao conflito e aos nele envolvidos - fim das hostilidades armadas, garantias para exercício de participação política dos desmobilizados e direitos das vítimas - estão contemplados o desenvolvimento rural, com infraestrutura em áreas distantes, e o fortalecimento do combate ao narcotráfico. A questão agrária está na raiz das Farc - a redistribuição das propriedades é uma de suas demandas históricas -, e o comércio de drogas financia a guerrilha.

- É (uma proposta) concreta e realista - diz Socorro Ramirez, professora da Universidade Nacional de Bogotá. - (Mas) são temas difíceis de lidar. O poder detentor de terras, aliado aos paramilitares, é a principal fonte de corrupção e violência no país. E as drogas, o principal combustível financeiro da violência.

O risco de confronto durante as negociações é real. Tanto que Santos reservou uma parte de seu discurso para lançar o alerta de que o governo não será intimidado por "extremistas e sabotadores de qualquer setor que costumam surgir nestes momentos."

Outra dificuldade deve ser a oposição do grupo próximo a Uribe, diz Socorro. O ex-presidente deve tentar um novo mandato em 2014 e assim como um sucesso nas negociações será um empurrão inestimável para a reeleição de Santos - que viu a sua popularidade despencar nos últimos meses - um fracasso ou mesmo dificuldades nas negociações serão um trunfo para os uribistas. Ontem, o ex-presidente voltou a atacar as negociações.

- É um erro grave começar um processo de paz sem o fim das atividades criminais por parte dos terroristas - afirmou Uribe.

A presidente Dilma Rousseff, que recebeu uma ligação de Santos, manifestou apoio à negociação. Em nota, disse que o êxito "trará grandes benefícios para o povo colombiano e consolidará a imagem de uma América do Sul que realiza hoje grandes transformações em paz".