Título: Senado rola bola de neve de farsas administrativas
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Fonte: Correio Braziliense, 01/10/2009, Opinião, p. 28

O Senado Federal consolida forma muito peculiar de pôr fim às irregularidades. Num toque de mágica, em que a caneta faz as vezes da varinha, dá o errado por certo e segue adiante. Esta semana, mal validou atos secretos que deram emprego a servidores fantasmas, ensaia novo espetáculo de escárnio com o dinheiro público. Descoberto que mais de 90% dos funcionários do quadro de pessoal (3.100 dos 3.413) recebem gratificações por alguma função comissionada, programa incorporá-las aos salários. Simples assim. O ato seria concluído com a concessão de novas complementações àqueles que efetivamente exercem cargos de direção ou chefia, únicos com direito ao benefício. O custo do truque? Mais R$ 108 milhões por ano no orçamento da Casa.

Empurra-se a sujeira para debaixo do tapete e manda-se a conta para o contribuinte. Mas não se fornece ao cidadão qualquer explicação, por exemplo, quanto ao fato de haver técnico legislativo ganhando remuneração extra a fim de exercer justamente a função de técnico legislativo, para a qual foi originalmente contratado. E faz-se isso em nome da moralização! Não se fala em identificar e punir os responsáveis pela distribuição generalizada das gratificações nem em ressarcir os cofres da União. Tampouco se dá garantias de que o vício não será levado à repetição e eternizado. Afinal, não há sinal de combate efetivo à desorganização administrativa da Casa. Ao contrário, aplica-se uma farsa sobre outra. E fica como certeza apenas a incapacidade da atual legislatura de enfrentar os desmandos.

Em 2008, o Diário Oficial da União revelou que havia mais funções do que servidores no Senado. No começo deste ano, soube-se que a Casa tinha 181 diretorias, 100 a mais que o número de senadores. Havia diretor até para cuidar do check in nas viagens aéreas de Suas Excelências. Estudo encomendado à Fundação Getulio Vargas recomendou o enxugamento para sete diretorias. O presidente José Sarney (PMDB-AP) mandou cortar 50. Em junho, pelo menos 37 sobreviviam. No recesso de julho, o escândalo já era outro: gastos superiores a R$ 5 milhões com horas extras em pleno mês de folga. Para 2010, a promessa de economia de R$ 13,5 milhões não consta na proposta orçamentária. E o Conselho de Administração prepara o plano de reestruturação salarial com os R$ 108 milhões a mais. Sem contar a proposta de incorporar a verba indenizatória aos salários dos parlamentares.

Não dá para continuar postergando a racionalização administrativa do Senado Federal. A Casa precisa de estrutura compatível com o tamanho das responsabilidades que carrega. Mas isso não significa desperdício. Muito pelo contrário. O gigantismo compromete o bom funcionamento e joga na lama a imagem do parlamento. Austeridade e transparência são as palavras-chaves. Organograma e plano de cargos e salários enxutos são essenciais. Porém, de pouco adiantarão se persistir a imoral prática do patrimonialismo e do clientelismo. Público e privado têm de ser irremediavelmente separados. Os mandatários de hoje ainda têm um ano para reverter as expectativas e se mostrarem à altura da tarefa. Do contrário, em outubro de 2010 o eleitor nomeará nas urnas substitutos capazes de proceder à moralização.