Título: Nas gavetas do Congresso
Autor: Rizzo, Alana; Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 27/09/2009, Política, p. 2

Propostas das CPIs se perdem na fila de projetos à espera da análise dos deputados e senadores

Gustavo Moreno/CB/D.A Press - 28/1/09 Serraglio reclama que as propostas de CPIs não são priorizadas

No país acostumado às ondas de denúncias que inundam o noticiário e somem de repente, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) têm sido exemplos de soluções teóricas apresentadas em momentos de crises, mas sem resultados reais. Depois de meses de promessas, investigações e muitas aparições na mídia, relatórios com poucos efeitos práticos se amontoam nos arquivos do Senado e da Câmara, e as propostas apresentadas para tentar sanar os problemas encontrados desaparecem na fila de projetos à espera de apreciação. Tem sido assim, por exemplo, com os temas tratados no relatório da CPI dos Correios, Bingos, Precatórios, Sanguessugas, Bancos¿

Uma das mais importantes e polêmicas comissões dos últimos anos, a CPI dos Correios ¿ instalada em 2005 com o objetivo de apurar um suposto esquema de pagamento de propina gerido pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson ¿ elaborou um relatório com três anexos e quase 2 mil páginas propondo 10 projetos de lei, quatro Propostas de Emendas à Constituição (PECs) e várias indicações para o Executivo. Todos os projetos propostos estão parados nas comissões. Já as PECs sequer chegaram a tramitar porque a Constituição não prevê para CPIs a possibilidade de propor emendas. ¿É uma tramitação realmente lenta. O problema é que nossas propostas se misturam às demais e seguem um rito normal. Isso demanda anos em comissões à espera de apreciação. Não deveria ser assim¿, comenta o Osmar Serraglio (PMDB-PR), que foi relator da CPI dos Correios.

Descaso Outra demonstração de descaso com projetos apresentados como resultado de investigações de comissões parlamentares de inquéritos se refere às propostas da CPI dos Bingos. Das cinco proposições que constam no relatório final, apenas uma foi aprovada no Senado e seguiu para a Câmara. As outras, a maioria criminalizando os jogos de azar, estancaram em comissões permanentes. Para descredenciar ainda mais as propostas da CPI, os deputados discutem agora a legalização dos jogos de azar. O projeto em discussão está pronto para ser votado em plenário e contradiz todas as conclusões do grupo que investigou os crimes ligados ao setor.

Criada em 1996 para apurar fraudes na emissão de títulos públicos, a CPI dos Precatórios acusou mais de 50 pessoas, como o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Depois de detectarem irregularidades, como o fato de montante de títulos emitidos pela prefeitura paulista ter superado em R$ 1,3 bilhão o valor gasto com o pagamento de precatórios, os parlamentares propuseram três projetos visando impor regras mais rígidas para a emissão desses títulos. Dois foram aprovados e encaminhados para a Câmara. Pararam por lá. O outro foi arquivado.

Em março de 1999 começava outra CPI que ocuparia o noticiário por meses. A comissão criada para investigar irregularidades do Poder Judiciário desvendou a fraude da obra superfaturada do prédio do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo. O juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto foi preso, acusado do desvio de quase R$ 170 milhões da obra. Ele continua em prisão domiciliar. Apesar da punição de Nicolau, a CPI não obteve sucesso na maioria das propostas que apresentou para evitar fraudes semelhantes. O relatório pedia aprovação da PEC 43/1997, que trata da extinção da Justiça de Trabalho. A proposta foi arquivada. Propunha também a revogação da Lei 1579/52, que continua em vigor.

Lei que é bom, nada

Confira as principais CPIs ao longo dos anos:

CPI do Judiciário (1999) O relatório pedia aprovação da PEC 43/1997, que pede a extinção da Justiça de Trabalho. A proposta foi arquivada. Propunha também a revogação da Lei 1579/52, que continua em vigor

CPI dos Bancos (1999) Propôs sete projetos de lei. Quatro deles estão parados e dois foram arquivados. Um deles sequer consta nos registros

CPI dos Correios (2005) O relatório final propôs 10 projetos de lei, quatro PECs e várias indicações para o Executivo. Cinco dos projetos propostos estão parados nas comissões até hoje. Mas, o que mais chama a atenção são as quatro PECs apresentadas pelos integrantes da CPI. Nenhuma delas chegou a tramitar porque os parlamentares ¿esqueceram¿ que CPIs não podem emendar a Constituição

CPI dos Bingos (2005) A comissão propôs cinco projetos de lei disciplinando os jogos, mas apenas um foi aprovado e aguarda votação da Câmara dos Deputados

CPI das Ambulâncias (2006) O relatório propõe a aprovação de quatro projetos de lei. Todos estão parados. Defendeu também o fim das transferências voluntárias da União para estados e municípios. A mudança nunca ocorreu

CPI do Apagão Aéreo (2007) O relatório final pedia prioridade absoluta na tramitação dos projetos de lei (114/2004, 283/2007, 429/2007 e 455/2007). Todos estão parados na Comissão de Desenvolvimento Regional

Poucos resultados

Enquanto a grande maioria das propostas apresentadas pelas CPIs engrossam a fila de matérias paralisadas nas gavetas do Congresso, algumas poucas conseguem a aprovação de itens que propuseram nos relatórios finais. A maioria dessas propostas, no entanto, não interfere diretamente no conteúdo e nos alvos das investigações.

Na CPI do Judiciário, por exemplo, em meio às denúncias de superfaturamento e do envolvimento de um ex-juiz em fraudes, os parlamentares conseguiram aprovar a criação do Conselho Nacional de Justiça e alguns acordos de cooperação judiciária com os Estados Unidos. A CPI também iniciou as discussões sobre nepotismo, mas não conseguiu que qualquer proposição tratando do tema fosse apreciada. Coube ao Supremo Tribunal Federal, 10 anos depois, decidir e proibir a contratação de parentes na administração pública.

Outra que obteve algum resultado foi a CPI das Obras. Instalada em 1992, os trabalhos da comissão resultaram em algumas propostas ligadas à fiscalização e ao emprego do dinheiro público nas construções. Conseguiu criar o Cadastro Geral de Preços e impor limites de recursos para emendas parlamentares. Também conseguiu que o Congresso aprovasse a criação da Comissão Permanente de Fiscalização e Controle, que hoje faz parte da Comissão de Meio Ambiente e perdeu parte da sua função inicial.

Visibilidade Além das grandes CPIs que ganham espaço e visibilidade nacional, o Congresso também tem em seus registros comissões formadas que nunca emplacaram. É o caso da CPI dos Transgênicos, do racionamento de energia elétrica, do terrorismo, do conflito de terras e da Amazônia. Algumas delas nem sequer aprovaram relatórios finais.

Sem relatório também terminou a famosa CPI do mensalão, instalada em julho de 2005. Com dificuldades de concluir os trabalhos por conta da queda-de-braço entre governo e oposição, a comissão encerrou os trabalhos sem aprofundar as investigações. (IT e AR)