Título: Aos 60 anos, CNBB adota perfil discreto
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 09/09/2012, País, p. 12

Para alguns religiosos, entidade vive "refluxo conservador"; outros veem mudança como reflexo da sociedade

Contraponto à ditadura e porta-voz dos anseios de milhões de miseráveis após a redemocratização, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) completa 60 anos em outubro com um perfil bem mais discreto. Em setores da Igreja, tamanha reserva é encarada como distanciamento da política e reforço de uma ação doutrinária mais forte, na linha conservadora que marcou o pontificado de João Paulo II, e segue dando as cartas no Vaticano do atual papa Bento XVI.

O tema divide opiniões. Enquanto alguns religiosos veem a mudança de perfil da CNBB como um sinal dos tempos e até mesmo prova de maturidade, há quem fale em "refluxo conservador" e "vaticanização" da entidade, isto é, perda de autonomia em relação a Roma.

É o caso do escritor e frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto. Para ele, a CNBB marcou posição entre a década de 70 e meados dos anos 90 ao denunciar injustiças, defender direitos humanos e apoiar movimentos sociais como o dos sem-terra. Depois, perdeu estridência.

- A vaticanização fez com que houvesse um cuidado cada vez maior na escolha de padres a serem nomeados bispos. Pessoas sem nenhuma simpatia ou identificação com a Teologia da Libertação. A CNBB tornou-se totalmente monitorada por Roma - diz Frei Betto.

Assessor do Planalto no primeiro mandato do ex-presidente Lula, o escritor critica o silêncio da entidade em dois episódios recentes: na campanha eleitoral de 2010, quando o então bispo de Guarulhos, d. Luiz Gonzaga Bergonzini, pregou boicote à candidatura de Dilma Rousseff por entender que o PT seria favorável ao aborto; e no confronto da Polícia Militar paulista com moradores do acampamento Pinheirinho, em janeiro, numa violenta ação de reintegração de posse.

- Em tempos passados, sua voz se faria ouvir imediatamente.

Voz progressista entre os 456 bispos brasileiros - 299 deles na ativa -, o bispo de Jales (SP), d. Luiz Demétrio Valentini, afirma que a entidade virou linha de transmissão da Cúria Romana:

- Existe um refluxo conservador que se reflete nos jovens seminaristas. Muitas dioceses (área geográfica sob o comando de um bispo) estão alheias, se omitem, acham que não cabe ao bispo assumir causas políticas. É a Igreja que se volta mais para o seu lado interno .

O secretário-geral da CNBB, d. Leonardo Ulrich Steiner, nega o abandono de bandeiras do passado, destacando o trabalho das pastorais do Menor, Carcerária e da Mulher Marginalizada, além do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e do Grito dos Excluídos.

- As causas da CNBB são as mesmas. Não vejo que tenhamos nos distanciado delas. Hoje, apesar de muitas vezes não sermos ouvidos, nossas pastorais continuam muito atuantes - diz d. Leonardo.

Na mesma linha, o arcebispo do Rio, d. Orani Tempesta, diz que o novo perfil da CNBB reflete mudanças da sociedade.

- O mundo muda, e nós não podemos ficar na mesma situação de dez, 20 anos atrás. A mensagem cristã é a mesma. Mas o modelo de atuar vai se modificando. Creio que a Igreja não é nem conservadora nem progressista. Ela é alguém que responde ao tempo e à região em que está - diz d. Orani, envolvido nos preparativos da vinda do papa Bento XVI ao Rio de Janeiro, em julho do ano que vem, na Jornada Mundial da Juventude.

Em comum, os religiosos concordam que a redemocratização abriu novos canais de participação popular, tirando o protagonismo da CNBB. A entidade, no regime militar, era uma das poucas toleradas pelos generais.

Para o professor de teologia da Universidade Salesiana (Unisal) Rafael Rodrigues da Silva, a atual onda de conservadorismo reflete os pontificados de João Paulo II e Bento XVI. Nas décadas de 1960 e 1970, a Igreja vinha da renovação do Concílio Vaticano II, quando buscou abrir-se à sociedade.

- Os bispos daquela época traduziam a efervescência de uma Igreja muito mais voltada para o social, para questões políticas. O quadro atual tem bispos mais conservadores, voltados para questões internas da Igreja, como a liturgia e a dimensão catequética - diz o professor Silva.

Membro da Comissão de Bioética da CNBB, o padre Eduardo Peters considera que termos como "conservadora" e "progressista" refletem a disputa entre adeptos da Teologia da Libertação e grupos tradicionalistas:

- A Igreja caminha nem tanto ao mar nem tanto à terra. O problema é que a sociedade quer respostas rápidas para questões delicadas. E a gente tem prudência.

Para Frei Betto, a interferência direta do Vaticano e a maior preocupação com questões internas acaba afastando fiéis. Dados do censo do IBGE mostram que a parcela católica da população brasileira caiu de 73,6% para 64,6%, entre 2000 e 2010, enquanto os evangélicos subiram de 15,4% para 22,2%.

- A Igreja está se clericalizando e isso é ruim. Estamos perdendo 1% dos fiéis por ano - diz Frei Betto.

D. Leonardo, secretário-geral da CNBB, diz que os dados permitem uma conclusão:

- Nós nos fizemos pouco presentes nas periferias.