Título: Foi a gota d'água
Autor: Damé, Luíza; Krakovics, Fernanda
Fonte: O Globo, 12/09/2012, O País, p. 3

Bombardeada por críticas de setores da área cultural e do PT desde que assumiu o Ministério da Cultura, Ana de Hollanda caiu ontem, um ano e nove meses após entrar no governo Dilma Rousseff. Será substituída pela senadora Marta Suplicy (PT-SP), que, após muito resistir, aderiu semana passada à campanha do petista Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. É o segundo ministro de Dilma que entra na negociação política para ajudar Haddad - o primeiro foi Marcelo Crivella, que ganhou a Pesca para tentar garantir o apoio do PRB ao petista em São Paulo, o que não se concretizou.

A troca foi anunciada ontem, mas já vinha sendo articulada desde agosto. A gota d"água para a demissão de Ana de Hollanda foi sua carta à ministra do Planejamento, Miriam Belchior, revelada dia 24 de agosto pelo "O GLOBO a Mais", edição vespertina do GLOBO para tablet.

Na carta, Ana reclama do orçamento da pasta e diz que os números "colocam em risco a gestão e até mesmo a existência de boa parte das instituições culturais". Também reclamou dos baixos salários dos servidores e da falta de um plano de carreira. No dia 28, Dilma, por meio de assessores, disse que a ministra permaneceria no cargo, que ela era merecedora de sua confiança e que estava certa de que Ana não havia sido a responsável pelo vazamento da carta.

A presidente, no entanto, aproveitou mais esse desgaste para resolver duas questões, uma administrativa e uma política: a demissão de Ana e a escolha de Marta, peça importante para a campanha petista em São Paulo.

Dilma liga para marta após se reunir com ana

Batalhando por uma vaga no primeiro escalão desde o início do governo Dilma, Marta disse ontem que foi um convite "surpreendente". Mãe de dois músicos, Supla e João, ela substituirá a irmã do cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda. Marta negou que a nomeação seja uma compensação por ter aberto mão de sua candidatura à prefeitura de São Paulo e um prêmio, ou condição, por seu engajamento na campanha de Haddad. Marta recebeu um telefonema de Dilma oficializando a indicação logo após Ana deixar o Palácio do Planalto, à tarde, quando estava presidia a sessão do plenário do Senado, do qual é vice-presidente da Casa.

- É uma coisa muito surpreendente. Não tenho planos. Estou feliz com a honra de a presidente Dilma ter feito o convite. Agora vamos trabalhar - disse Marta, que tomará posse amanhã. - Vou mergulhar no ministério e descobrir o que fazer. Vou estudar.

Marta entrou na campanha de Haddad na semana passada, após duas conversas com Dilma, mas negou relação entre os dois fatos:

- Eu sempre falei que só entraria na campanha quando fizesse diferença.

A primeira conversa entre Marta e Dilma sobre o ministério foi em 22 de agosto, no Planalto. Depois, dia 30, a presidente preferiu permanecer no Alvorada após o almoço, quando se reuniu com Marta por uma hora. Ontem, Ana foi recebida por Dilma e ficou 20 minutos no gabinete. Entregou a carta de demissão e se despediu da presidente. Sem declaração ou nota.

Dilma, em nota, agradeceu "o empenho e os relevantes serviços prestados ao país" por Ana. Manifestou confiança em Marta e destacou sua atuação: Marta "vinha dando importante colaboração ao governo no Senado, e dará prosseguimento às políticas públicas e aos projetos que estão transformando a área da cultura nos últimos anos".

nova ministra admite ainda não teR planos

A senadora petista assumirá um ministério um pouco mais turbinado. Depois das reclamações de Ana, a pasta conseguiu melhorar sua fatia no Orçamento da União para 2013. Segundo a proposta orçamentária enviada ao Congresso na semana passada, a Cultura terá R$ 2,83 bilhões, contra R$ 2,1 bilhões previstos na lei orçamentária atual, ou seja, o orçamento de 2012.

Esse fato foi lembrado ontem pelo ator José de Abreu, ligado ao PT e um dos principais críticos da gestão Ana. Ele comemorou a troca:

- Há meses que se procura um substituto pra Ana. Para Marta, esse ministério vai ser um sacrifício. Se que bem Dilma deu uma recheada antes - escreveu ele no Twitter. - MinC vem para o PT pela primeira vez em dez anos de poder.

Dilma pretendia substituir Ana depois das eleições. A decisão de antecipar a troca gerou especulações em Brasília. Uma delas é que Marta teria convencido Dilma e o PT de que, como ministra, teria mais força na campanha de Haddad.

A futura ministra disse que ainda não tem planos para a nova função, que precisa tomar conhecimento sobre o setor, e repetiu que o Ministério da Cultura "é extremamente importante para a identidade brasileira". O senador Roberto Requião (PMDB-PR) ironizou a queda de Ana:

- Demitiram a Aninha porque ela queria dinheiro para a Cultura. Agora vão colocar uma que não quer.