Título: O Rio é refém da Cedae. Municipalizar é o caminho óbvio
Autor: Camargo, Apásia
Fonte: O Globo, 12/09/2012, O País, p. 8

Planejamento e sustentabilidade orientam as propostas de Aspásia Camargo, candidata do PV à prefeitura do Rio, para tornar a cidade melhor e resolver suas mazelas. Em entrevista ao GLOBO, Aspásia defendeu a coleta e organização de dados, com um choque de gestão, para pensar e fazer o Rio evoluir. "Essa cidade é insustentável. Não precisamos de síndico apenas", afirmou, numa farpa dirigida ao prefeito Eduardo Paes, em quem reconhece méritos, mas que não deixa de criticar. A candidata do PV fala em parceria com o setor privado na Educação, choque de gestão e terceirização na Saúde. Disse ser contra qualquer interferência no conteúdo da produção cultural e criticou o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, que condicionou verbas públicas a escolas de samba aos temas abordados nos enredos. "A cultura é o espaço da liberdade, não pode ser cerceada pelo Estado", enfatizou, destacando que a ideia de Freixo tem resquícios do stalinismo. Sua proposta mais polêmica é a municipalização do sistema de água e esgoto - hoje em mãos do governo estadual -, com a criação de uma Agência Carioca de Água e Saneamento Ambiental, que incluiria a concessão do serviço. Aspásia aposta no projeto até para salvar as Olimpíadas de 2016 do que considera uma vergonha: "Não podemos fazer uma competição desta magnitude no meio do esgoto mal cheiroso. Isso é crime de lesa-pátria". Na casa dos 2% das intenções de voto, minimiza a má situação do PV no Rio depois de duas campanhas que mobilizaram a cidade, com Fernando Gabeira, em 2008, e Marina Silva, que venceu na capital em 2010. "Entrei nessa campanha sozinha e não tem ninguém para me atrapalhar".

Municipalizar o saneamento

Qual o principal problema ambiental da cidade, e como resolvê-lo?

O saneamento ambiental como um todo. É o problema da coleta e do tratamento de esgoto e do lixo. É um problema emergencial, da maior gravidade. Foi uma agenda que entrou na pauta da cidade no século 19 e nós estamos no (século) 21 com todas as nossas praias poluídas, todos os nossos rios, o sistema lagunar da Barra inviabilizado, a Lagoa da Tijuca que já está praticamente morta. A Baía de Guanabara... ontem, um Grael (família de iatistas) estava navegando no que vai ser a raia olímpica e viu monturos de lixo atrapalhando o barco.

O saneamento e o esgoto são de controle do estado. A senhora está propondo retomar?

São Paulo está caminhando para a universalização do seu saneamento, enquanto o Rio está refém da Cedae, que é pior negócio do mundo para o Rio de Janeiro. Niterói pediu carta de alforria, e está com 90% de esgoto tratado. A Região dos Lagos pediu carta de alforria e tem planos de metas em que se acompanha, a cada seis meses, o que melhorou.

A senhora advoga municipalizar o tratamento de esgoto?

Municipalização é o caminho óbvio. A Constituição nos permite. A Cedae não é Cedae, é "Ceda". O "e" (de esgoto), ela não tem. Não tem nem uma diretoria de esgoto. E não tem dinheiro também. Depois que ela foi saqueada por várias gerações de políticos e se transformou numa empresa realmente sucateada, o Wagner Victer (presidente da Cedae) conta de que maneira ele a recebeu. O que ele está tentando fazer por lá é salvar a empresa, capitalizá-la, botar na Bolsa de Valores, mas aí a Cedae não pode fazer empréstimo, não tem plano de metas... Na Comissão de Saneamento entramos com um projeto de lei para colocar um pouco de ordem nisso.

A senhora pretende municipalizar e privatizar?

O que é privatizar? Concessão não é privatização. É (criar) a Agência Carioca de Águas e Saneamento Ambiental. A Cedae tem dificuldade no abastecimento de água. Vi a Baixada Fluminense inteira sem água. Tem uma taxa de desperdício brutal, que chega a 40%, 50%, e logicamente, isso tudo nós é que pagamos. As tarifas são muito altas e o sistema é ineficiente. Três municípios da Baixada estão fazendo a mesma coisa que fez Niterói. Então eu pergunto: será que nós somos o bobo da corte? Vamos ficar eternamente com o serviço tão ruim quando os outros municípios foram muito mais ousados, independentes, e tomaram essa decisão?

Olimpíadas no esgoto

A senhora mudaria alguma coisa no projeto das Olimpíadas em relação ao que está sendo feito?

Não podemos repetir o que aconteceu com os Jogos Pan-Americanos, fazer uma competição olímpica desta magnitude no meio do esgoto mal cheiroso e no meio de uma bacia lagunar completamente destruída. Acho que isso é crime de lesa-pátria. Também não concordo com o acordo de colocar estação de tratamento de rios. Em matéria de esgoto, apenas 30% das casas de Jacarepaguá estão conectadas à rede. Na visão mais otimista, nós temos 70% produzindo esgoto sem parar e jogando nas lagoas da Barra.

Inventário na Saúde

Quais são suas propostas para a área da saúde?

Eu fiz 14 propostas quando fui relatora da CPI da Saúde em 2005. Vocês se lembram que a saúde quebrou no Rio de Janeiro. Foi um momento difícil porque o Cesar Maia tentou a municipalização e o governo federal não deu suporte para que ele tivesse êxito nisso. Houve um problema de caixa e a coisa acabou em guerra, com tendas no meio da rua. Mas de lá para cá, ninguém disse que o Rio de Janeiro tem a maior rede de saúde do Brasil e do mundo. Em nenhum pais do mundo que eu tenha conhecimento há tanto posto de saúde, UPA, saúde de famílias como o Rio de Janeiro. Então esse é o problema.

O problema, então, é o tamanho da rede de saúde na cidade?

O problema é gestão e autoridade. Porque o primeiro mandamento do SUS é que o prefeito tem que comandar a rede inteira.

Mas o Rio atende pacientes que vem de áreas vizinhas.

Sinceramente, eu acho que esse não é o problema. Isso pode agravar um pouco mais, apertar um pouco mais....

Mas deputada, isso é um terço das internações...

As queixas que eu tenho ouvido não são de hospitais onde é atendido esse público. E eu quero dizer também que o prefeito do Rio de Janeiro não conversa com a Região Metropolitana porque o governador nunca se preocupou em dar uma estrutura de governança para o problema. É a pior Região Metropolitana do Brasil, a que menos conversa, a que tem mais desigualdade. Eu acho que o prefeito não pode ser apenas um gestor do primo rico da Região Metropolitana e deixar os pobres à deriva. Aliás, nem sempre são tão pobres, mas têm problemas de desordem administrativa. Eu acho que primeiro precisamos ter um inventário para saber quantos hospitais temos, quantas unidades. Porque eu estou aqui há dois meses e tenho várias listas (diferentes). Ninguém sabe. E como o SUS delega ao prefeito a gestão plena da saúde, isso quer dizer que ele tem que comandar do ponto de vista da informação, do controle e do planejamento de toda a rede. E ele não tem informações sobre isso.

Isso não seria atribuição do SUS?

Não, isso é a informatização do serviço. É lógico que o prefeito não pode informatizar com o dinheiro dele um hospital que é federal, mas ele pode pedir um prazo de dois, três meses, para que esse cadastro seja feito. Se nós não informatizarmos esta cidade nós vamos perder o bonde da história. E a informatização é a transparência, é controle, melhor usos dos recursos.

A senhora é a favor das OS? Da terceirização da saúde?

Bem, eu tenho alguma autoridade para falar sobre as OS porque eu implantei a OS na Rede Brasil, no tempo que era TV Educativa. E também acompanhei toda a visão inicial da OS. E nunca vi nada parecido com isso que está aí. Então, sinceramente, acho que o modelo das OS que estamos usando aqui está equivocado.

Então qual seria o modelo que a senhora defende?

Eu não sou contra a terceirização dos serviços. Acho que seria uma tolice dizer uma coisa dessa. A OS é um serviço que funciona na Filarmônica de Nova Iorque, na Universidade da Califórnia, em tudo que é lugar no mundo. O problema aqui é que você não entrega um órgão público, sobretudo na Saúde, porque é área prioritárias para o Estado. Eu não posso deixar um hospital à deriva, sem um comando. Eu não sei exatamente quem são essas OS. A gente não consegue visualizar com clareza quem são essas pessoas.