Título: Promessas demais
Autor: Tardáguila, Cristina ; Remígio, Marcelo
Fonte: O Globo, 13/09/2012, País, p. 3

Propostas de candidatos no Rio apresentam generalidades e inconsistências

Em um mar de propostas apresentadas pelos cinco principais candidatos a prefeito do Rio, há um pouco de tudo para o futuro da cidade: de projetos de combate à pobreza até a redução do valor da tarifa de ônibus, passando por programas de saúde mental e metas para a Educação. No entanto, longe dos programas eleitorais de rádio e TV ou das caminhadas nas ruas, nem todas são factíveis.

Nos últimos dias, O GLOBO selecionou e analisou promessas de Eduardo Paes (PMDB), Marcelo Freixo (PSOL), Otavio Leite (PSDB), Rodrigo Maia (DEM) e Aspásia Camargo (PV), muitas delas difíceis de serem cumpridas.

Há candidatos que apresentam propostas que vão muito além da esfera municipal, enquanto outros investem em metas gerais e não se comprometem com propostas concretas, o que torna mais difícil, por parte dos eleitores cariocas, a escolha em quem votar na eleição de outubro para prefeito.

- Tem chamado muito a minha atenção a forma com que os candidatos apresentam seus planos de governo e passam para os eleitores o que pretendem fazer. São muitas vezes genéricos, falam de determinadas áreas sem focar em um assunto específico ou apresentar como determinado programa será colocado em prática - destaca a doutora em Educação Andrea Ramal, que analisou promessas como a universalização das creches e a contratação de professores.

Para avaliar a possibilidade de as propostas serem colocadas em práticas, O GLOBO contou com a ajuda de especialistas e técnicos nas áreas de Saúde, Desenvolvimento Social, Educação e Transportes. Ao analisarem as promessas, eles colocaram em xeque o cumprimento de algumas metas numéricas, como percentuais para a redução da pobreza e o total de crianças atendidas por creches municipais.

Também foram destacadas a falta de consistência na aplicação dos programas - como o projeto de redução das tarifas de ônibus, sem que sejam apresentadas maneiras para manter o sistema de transportes equilibrado financeiramente - e ideias de estatização de áreas da Saúde, como a de atendimento a deficientes mentais, que vão de encontro a regras determinadas pelo governo federal.

Ainda segundo os especialistas ouvidos pelo GLOBO, alguns candidatos se perdem nos números e desconhecem programas e estatísticas que são postos à disposição pela prefeitura.

Não é bem assim

EDUARDO PAES 35 MIL CASAS E REDUÇÃO DA POBREZA

Construir "mais de 35 mil casas" em parceria com o programa federal Minha Casa Minha Vida. Esta é uma das razões que o prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição pelo PMDB, elencou em seu programa de governo como forma de convencer o eleitor a votar nele. No entanto, segundo o Ministério das Cidades, que administra o programa de moradia desde sua criação, em março de 2009, o município do Rio tem contratadas 54 mil casas com o Minha Casa Minha Vida, das quais 15 mil já foram construídas. A diferença — que praticamente coincide com o total de casas proposto por Paes — terá obrigatoriamente que ser executada. Seja quem for o novo prefeito. — Vale a pena ressaltar ainda que o candidato não define na proposta o tamanho, a qualidade ou o local dessas casas — observa a antropóloga e professora da FGV Marina Cavalcanti. — Se eleito, ele certamente terá que optar entre se sentar à mesa para negociar os altos preços dos terrenos do centro da cidade ou construir lá longe, na fronteira do Rio, e ter que levar todo o resto da cidade para lá, o que vai acabar gerando um gasto muito maior. Paes promete ainda "reduzir em pelo menos 50% a população carioca abaixo da linha da pobreza". Quem estuda o assunto lembra que a meta depende até mesmo do desempenho da economia mundial e pede ao candidato mais informação sobre a proposta. — Ele precisa apontar quais serão os programas municipais que farão isso e dizer de onde virão os recursos financeiros e a estrutura administrativa para isso — diz André Spitz, presidente do Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e Pela Vida (Coep). — Caso contrário, estará surfando no esforço feito na esfera federal.

MARCELO FREIXO LEITOS DE CTI E MANICÔMIOS

"Triplicar os leitos de CTI em todos os hospitais municipais". Esta é uma das propostas de Marcelo Freixo, candidato do PSOL à prefeitura do Rio, na área de saúde. À primeira vista, atende a uma urgência, mas não é bem assim. No texto, Freixo não diz que triplicará o número de médicos intensivistas (aqueles que atuam em unidades de terapia intensiva), de enfermeiros ou de auxiliares de enfermagem. Talvez não saiba que existe uma proporção entre número de leitos e profissionais de saúde fixada pela Secretaria Municipal de Saúde desde 2002 e que ela precisa ser respeitada. Se o fizer, ao triplicar os 531 leitos de CTI existentes, Freixo terá que contratar, a cada 100 novas vagas, 30 enfermeiros e 70 auxiliares de enfermagem, além dos médicos. — E esse profissional ele não vai encontrar — diz Marcos Knibel, membro da Câmara Técnica de Terapia Intensiva do Cremerj. — Nenhum jovem quer ser intensivista para ganhar entre R$ 3,8 mil e R$ 4,5 mil. O valor está muito abaixo do piso de R$ 9,6 mil proposto pelo Conselho Federal de Medicina. Ainda há no programa de saúde de Freixo outra proposta que suscita queixas: "Iniciar um processo que vise o controle 100% estatal dos manicômios conveniados, com uma equipe intervencionista". — Só de usar a palavra manicômio, o candidato mostra que não domina o assunto e não foi assessorado — queixa-se Antônio Geraldo Silva, presidente de Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). — E soa a intervenção pura. Fora que não fala como contratará médicos para preencher os 14 turnos de 12 horas de que um hospital psiquiátrico precisa.

RODRIGO MAIA MUDANÇAS NA TARIFA DE ÔNIBUS URBANOS

Entre as propostas para melhorar o transporte público feitas pelo candidato do DEM à prefeitura, Rodrigo Maia, duas são relacionadas à redução de tarifas e com aplicação imediata. A primeira altera a passagem modal de R$ 2,75 para R$ 2,50. A segunda pretende reduzir para R$ 1 a tarifa aos domingos. De acordo com seu programa de governo, para que "o carioca possa ir à praia, ao cinema, à igreja e visitar os familiares." O retorno financeiro no bolso dos passageiros é significativo, no entanto, a efetivação da proposta, apontada como simples, é bem mais complexa. Rodrigo também não explica como seria custeada a diferença . A mudança da tarifa para R$ 1 apenas em um dia da semana esbarra na bilhetagem eletrônica, preparada para registrar um valor modal. O pagamento, então, deveria ser feito apenas com dinheiro, facilitando fraudes. A mudança no sistema implicaria custo para as empresas, que poderia ser repassado para o preço final da tarifa nos demais dias, caso a prefeitura não assuma uma contrapartida. Essa participação do município poderia ser por meio de subsídio ou redução de impostos. Segundo a Fetranspor, as empresas de ônibus do Rio são concessionárias e decisões sobre a tarifa cabem ao município. Mas qualquer mudança "deve seguir preceitos constitucionais e contratos firmados, os quais garantem a manutenção do equilíbrio econômico da operação." Iniciativa semelhante à de Rodrigo foi aplicada em feriados nos anos de 2009 e 2010 em Petrópolis, região Serrana. A proposta não vingou. De acordo com o Setranspetro, sindicato que reúne as viações da cidade, porque a prefeitura não definiu por decreto a compensação para o equilíbrio financeiro do sistema. A redução da tarifa modal para R$ 2,50 também poderia esbarrar na mesma limitação.

OTAVIO LEITE UNIVERSALIZAÇÃO DAS CRECHES

Em suas propostas para a educação, o tucano Otavio Leite (PSDB) propõe universalizar creches e a "bidocência no primeiro ano do ensino fundamental, isto é, instituir dois professores em cada sala de aula na classe de alfabetização". No caso da creche, a universalização do acesso é uma proposta ousada, destaca a doutora em Educação Andrea Ramal. Segundo ela, a meta não foi alcançada nem pelos países desenvolvidos. O Rio, de acordo com dados do Censo 2010, soma 291 mil crianças de 0 a 3 anos. Do total, 98.744 (34%) estavam matriculadas, enquanto outras 192 mil (66%) não estudavam. Para universalizar o acesso, seria preciso quase triplicar o número de vagas, sendo que nem todos os pais iriam colocar seus filhos em creches. O MEC aponta a necessidade de construção de pelo menos 450 novas creches. Hoje, a prefeitura abriga 64 mil crianças em 249 creches municipais, 87 Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDI) e 178 unidades conveniadas. — Não é só abrir vagas. Também é preciso avaliar como são as creches e a formação dos professores — diz Andrea. Já a manutenção de dois professores em sala de aula, para especialistas, vai de encontro à necessidade de investir na formação dos profissionais da rede. — A capacitação é importante. Um professor muito bom é mais eficiente que dois regulares — afirma. A opinião de Andrea é compartilhada pela professora e coordenadora do Sepe, sindicato que representa os profissionais de ensino, Susana Gutierrez. Segundo ela, não se pode medir a Educação numericamente. O sindicato aponta para um déficit de 12 mil professores na rede, que conta com pouco mais de 41,3 mil. A educadora coloca em questão a dificuldade para encontrar professores. — Como manter dois professores em sala sem repor os 12 mil? — indaga.

ASPÁSIA CAMARGO FALTA DE DADOS NA SAÚDE PÚBLICA

A candidata do PV à prefeitura do Rio, Aspásia Camargo, disse na terça-feira, ao participar de sabatina do GLOBO, que o município não tem informações sobre toda a rede de Saúde — pública e privada — que permita fazer o planejamento e controle do Sistema Único de Saúde (SUS). Não é bem assim. A Secretaria Municipal de Saúde é usuária desde 2006 do tabnet, uma tecnologia desenvolvida pelo Datasus que permite consultar números sobre internações, consultas e faturamento de toda a rede. As estatísticas atualmente têm uma defasagem de apenas dois meses. Os últimos dados disponíveis são de julho. O sistema, porém, não está livre de críticas. Para o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, essa atualização deveria ser em tempo real em toda a rede para ajudar no planejamento, o que hoje não ocorre. Ele também considera que a fiscalização das unidades administradas por Organizações Sociais (OS) pelo poder público é falha e diz que muitos gastos nas unidades sobre esse regime já foram questionados pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). Em nota, a Secretara Municipal de Saúde informou que em 2009, por exemplo, nenhuma unidade pública era informatizada. Hoje, 95% dos dados são por prontuário eletrônico. As UPAs e as coordenações de emergência e as unidades mantidas por OS já têm controles informatizadas. O sistema ainda não está disponível, no entanto, em dois dos maiores hospitais de emergência da prefeitura: o Souza Aguiar (Centro) e o Lourenço Jorge (Barra da Tijuca). Mas já funciona no Miguel Couto, Salgado Filho e Pedro II.