Título: Ataque à farra das horas extras
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 27/09/2009, Economia, p. 16

Norma restringe o pagamento da jornada estendida e define carga horária dos tribunais. Sindicatos reagem

O Judiciário terá de por um freio à farra das horas extras. Por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) todos os tribunais do país ¿ federais e estaduais ¿ serão obrigados a se adaptar. Em uma resolução polêmica que vem despertando a ira dos sindicatos, os conselheiros do CNJ decidiram regulamentar em 40 horas semanais a jornada de trabalho dos servidores. A regra, que já está valendo, prevê oito horas diárias (com previsão de intervalo para almoço) ou sete horas corridas sem direito a pausa. Ao mexer na carga horária, o CNJ espera reduzir o custo com a folha de pessoal.

As despesas com salários e benefícios estrangulam o equilíbrio financeiro de alguns órgãos. Os tribunais estaduais, por exemplo, consomem, em média, 90% da verba global só com contracheques. O caso mais grave é o do Tribunal de Justiça do Piauí, que no ano passado comprometeu 99% de suas despesas com servidores. O tribunal de São Paulo, o maior do país, canalizou R$ 4,2 bilhões para a folha de salários em 2008 (92% da verba total). Para o CNJ, a sangria precisa ser estancada sob pena de o Judiciário não ter mais dinheiro para investir na compra de insumos básicos e melhoria estrutural.

Pela decisão do conselho, a hora extra só poderá ser paga a partir da nona e décima horas em que foi necessária a permanência do servidor. Ives Gandra Martins Filho, conselheiro relator da resolução 88(1), diz que, com o tempo, criaram-se distorções, houve um afrouxamento perigoso e a jornada real acabou encolhendo à revelia da lei. ¿Cada tribunal adotava a sua jornada, variando de seis a oito horas¿, lembra. Os locais que optarem por sete horas de trabalho sem intervalo não poderão pagar hora extra. Os tribunais de Justiça que adotam jornada de trabalho diversa da especificada pelo CNJ ficam obrigados a encaminhar projetos de lei dentro de 90 dias adequando suas realidades ao que manda a resolução.

Na ânsia de dar vazão aos processos antigos que se acumulam nas repartições, os tribunais começaram a pagar o adicional por tempo trabalhado sem muito controle: os órgãos que adotavam jornada de seis horas, a partir da sétima hora. Os que assumiram as sete ininterruptas como rotina, a partir da oitava. ¿Essa hora extra, na verdade, entrava naquilo que deveria ser a jornada normal¿, completa Gandra, que é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O volume total de recursos públicos gastos com o pagamento da jornada estendida é desconhecido até mesmo pelo CNJ.

Medida impopular A decisão do CNJ é vista pelos sindicatos como uma intromissão ilegal e desnecessária, além de uma afronta à autonomia dos tribunais. As reações já começaram. ¿É um ataque à Constituição. Isso não pode vir goela abaixo¿, resume Israel Borges, secretário-geral da Federação Nacional dos Servidores do Judiciário nos Estados (Fenajud). Radicalmente contrária ao dispositivo criado pelo CNJ, a entidade e outras representações de servidores do Judiciário espalhadas pelo Brasil questionam a medida no Supremo Tribunal Federal (STF).

Na página da Fenajud na internet, as manifestações indignadas demonstram que o nível de insatisfação dos servidores é alto, ainda que os argumentos nem sempre sejam tecnicamente coerentes. ¿Como podemos aceitar a elevação da jornada de trabalho sem a devida elevação dos nossos subsídios?¿, protesta um internauta no site da entidade. ¿Trata-se de uma tática política que pretende adequar o país aos novos moldes do neoliberalismo, trazendo para o setor público as mesmas características do setor privado¿, ataca outro. Há ainda quem defenda a equiparação salarial entre os servidores do Judiciário estadual e federal: ¿Se me pagassem o que ganha um servidor na justiça federal, eu trabalhava oito horas sorrindo¿, justifica um terceiro.

Embora tenha poucos efeitos práticos sobre os tribunais instalados em Brasília ¿ a jornada definida pelo CNJ é aplicada em larga escala ¿, a mudança é alvo de críticas pelo Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal (Sindjus). O coordenador-geral, Roberto Policarpo, explica que o ideal seria discutir melhor o assunto, propor ajustes e eliminar o que é controverso. Policarpo defende a fixação de dois turnos de seis horas, o que, segundo ele, permitiria uma melhor prestação do serviço. ¿Essa é a nossa proposta. Quanto à resolução do CNJ, acreditamos que ela seja inconstitucional e facilmente questionável¿, reforça.

1- Vespeiros Além da jornada, a medida aprovada pelo CNJ também estipula em 20% o limite de servidores requisitados ou cedidos de órgãos não pertencentes ao Judiciário do total do quadro de cada tribunal. A resolução determina ainda que pelo menos 50% dos cargos em comissão sejam destinados a funcionários das carreiras judiciárias

Ponto a ponto Ives Gandra Martins Filho Tentativa de coibir abusos José Varella/CB/D.A Press - 9/11/05

O que muda A exigência de jornada era menor do que aquela legalmente prevista. Estava-se pagando hora extra contando como jornada normal. A jornada é de todo trabalhador é de oito horas. Excepcionalmente, admitem-se sete horas ininterruptas. Se vai pagar hora extra não existe, conceitualmente, hora extra depois de trabalho ininterrupto.

Controle Estava um pouco solto. Cada tribunal adotava a sua jornada, variando de seis a oito horas. Tribunais com varas que não tinham nem lugar físico para colocar as pessoas, por exemplo, estavam adotando jornada de dois turnos de seis horas. Agora, quando não há essa limitação física, a jornada é de oito horas. Se não há demanda suficiente, eu não preciso deixar o servidor parado sem fazer nada por oito horas. Mas num contexto de sobrecarga de processos não justifica uma redução de jornada para seis horas. Essa foi a filosofia da resolução: a jornada normal é de oito horas.

Distorção Na prática, reduzia-se para sete horas ininterruptas e o funcionário acabava almoçando em algum momento dentro desse período, cumprindo apenas seis horas líquidas. No contexto de cumprimento de meta dois, de correr atrás dos processos antigos, todos os tribunais começaram a pagar horas extras. Aqueles que adotavam jornada de seis horas, a partir da sétima hora. Aqueles que estavam com sete ininterruptas, a partir da oitava. Essa hora extra, na verdade, entrava naquilo que deveria ser a jornada normal. Quem for pagar hora extra só vai poder pagar a partir da nona diária. Os tribunais se ajeitem, ninguém pode fazer menos do que sete horas diárias.

Reações A luta de todo trabalhador é para a redução de jornada. Agora, se você quer reduzir a jornada, mas a demanda exige mais trabalho, como reduzir e continuar ganhando a mesma coisa? Isso o contribuinte não aguenta. Isso vai supor um gasto maior com pessoal. (LP)