Título: BCE aprova compra ilimitada de títulos
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Fonte: O Globo, 07/09/2012, Economia, p. 28
Medida visa a reduzir custo de financiamento de governos. Países terão que se submeter a políticas fiscais
O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, conseguiu superar objeções e obteve apoio quase unânime do Conselho Diretor do banco para aprovação de um plano de aquisição de bônus soberanos, para reduzir o custo de captação dos países da zona do euro no mercado, especialmente de Espanha e Itália, cujo colapso ameaça o euro. Draghi anunciou que a compra de títulos será ilimitada, mas as nações que pedirem ajuda terão que se sujeitar à adoção de duras medidas fiscais e estarão sujeitas à supervisão de instituições europeias, como o próprio BCE, a Comissão Europeia e o Eurogrupo.
- Há muitas diferenças em relação aos programas anteriores, o que nos faz acreditar que, desta vez, irá funcionar - disse Draghi, explicando que a medida visa a restaurar a confiança na zona do euro como um grupo coeso, capaz de financiar suas dívidas nacionais.
O BCE também prevê dar maior garantia aos bancos da região para que possam criar liquidez. Draghi citou ainda uma possível participação do Fundo Monetário Internacional (FMI) no esforço.
Embora a compra de bônus deva reduzir o custo dos títulos de Espanha e Itália, o programa também coloca pressão para que esses países solicitem ajuda formalmente a seus parceiros europeus. Ontem, o premier italiano, Mario Monti, parabenizou o BCE pela medida, mas evitou dizer se seu governo pedirá socorro.
- Hoje foi dado um grande passo adiante, após a decisão do presidente Mario Draghi, rumo a uma governança mais satisfatória da zona do euro - disse Monti.
As compras de bônus pelo BCE também não resolverão os profundos problemas estruturais dos países endividados. Mas certamente darão mais tempo para que os governos possam cumprir suas agendas de reformas orçamentárias e estabelecer uma união fiscal mais integrada.
- (A medida ) tira do cenário um importante risco a curto prazo - avaliou Lorenzo Bini Smaghi, ex-membro da diretoria do BCE. - Agora, a bola está na área dos governos.
Presidente do bc alemão votou contra
Para analistas, o anúncio é um importante passo no sentido de consolidar uma Europa mais federalizada, em vez de um bloco de países que parecem repartir pouco mais que uma moeda comum e uma economia decadente. Embora ainda pairem sobre a região muitos riscos, Draghi deu uma nova demonstração de importante liderança, no sentido de mediar um acordo entre políticos num cenário de desconfiança e superar as preocupações nacionais que vêm sustentando a crise há dois anos e meio.
A expectativa é que a Espanha seja um dos primeiros países a solicitar ajuda. A autoridade monetária do bloco anunciou, no entanto, que só agirá depois que os países tiverem concordado com as condições estabelecidas no fundo de resgate da zona do euro, o chamado Mecanismo Europeu de Estabilização (MEE). O MEE comprará títulos diretamente dos governos e vai impor as exigências, ao passo que o BCE comprará os bônus.
Draghi teve um silencioso apoio de todos os líderes europeus nesta iniciativa, que visa a impedir que especuladores empurrem os custos de captação de países como Espanha e Itália para patamares insustentáveis. O apoio a Draghi veio até mesmo da chanceler alemã, Angela Merkel, que enfrentou oposição interna, inclusive de sua base política e do presidente do Bundesbank (o banco central alemão), Jens Weidmann, para quem a medida expõe o BCE a riscos inflacionários e à irresponsabilidade fiscal. Weidmann, um ex-aliado de Merkel, é visto como o único voto dissidente à medida no conselho do BCE, numa espécie de protesto simbólico.
"Ele vê tais compras (de bônus) como algo semelhante ao autofinanciamento dos governos por meio de impressão de dinheiro", anunciou o Bundesbank em nota, confirmando que Weidmann expressou sua oposição na reunião do conselho do BCE. Jörg Asmussen, amigo de Weidmann desde os dias de universidade e o representante alemão no conselho executivo do BCE, deu publicamente seu apoio à posição de Merkel a favor da compra de bônus como um mal necessário para promover a estabilidade e dar mais tempo aos governos para agir internamente.
O temor de Merkel é de que ataques especulativos empurrem Itália e Espanha - terceira e quarta maiores economias da zona do euro, respectivamente - para uma situação crítica, superando a capacidade de atuação dos fundos de resgate. Isso representaria uma crise fundamental para a União Europeia (UE), possivelmente derrubando o valor da moeda, antes que os líderes políticos consigam pôr em ação medidas para manter a disciplina fiscal e a saúde dos bancos.
- O que temos aqui é o início de uma resposta à questão sobre como vamos lidar com Espanha e Itália - afirmou Jacob Kirkegaard, pesquisador do Peterson Institute for International Economics, em Washington. - A questão é: como ajudaremos esses países de um modo sustentável e politicamente viável?