Título: A audiência do STF no mensalão
Autor: Arguelhes, Diego Werneck
Fonte: O Globo, 05/09/2012, O País, p. 10

No caso do mensalão, ouve-se muito que, por ser um processo penal, os ministros do STF devem ser surdos para a opinião pública. Ironicamente, nunca um julgamento - criminal ou não - recebeu tanta e tão diversificada atenção. Graças às ferramentas oferecidas pela internet, a imprensa não mais monopoliza a opinião pública. Nada disso conta?

A tese da surdez reflete preocupação com o estado de direito. Se obedecesse a plebiscitos, tweets ou índices de popularidade, o julgador deixaria de ser juiz. Nada pode se contrapor frontalmente às provas e à lei para fazer a cabeça do julgador. Mas, quando quem julga é o Supremo, mesmo em processos penais, há outros papéis em jogo para a opinião pública - e há respostas melhores que a surdez judicial.

A opinião pública não pode poupar os ministros do dever básico de justificar seu convencimento com base nas provas e na lei. Mas eles são membros de uma instituição política, ainda que não partidária, a quem a Constituição confiou a tarefa de julgar, em instância única, certas autoridades políticas. O foro privilegiado traz visibilidade para a decisão - e, com ela, desafios adicionais. A democracia amplia a audiência de toda ação estatal. Exige transparência. O Supremo não é exceção. A opinião pública pode não determinar a decisão dos ministros, mas muda a comunicação do julgador com a sociedade.

Para fundamentar uma absolvição, bastaria ao juiz típico dizer, na sentença, que as provas foram insuficientes. No caso do mensalão, porém, é preciso mais que fundamentação. É preciso transparência. Se faltam provas, que se explique as insuficiências - sem o cômodo véu do juridiquês. Se as provas existentes não convencem, os votos pela absolvição devem questioná-las, em vez de silenciar quanto a elas.

Essa exposição ampliada é saudável. Legitima o foro privilegiado como garantia da sociedade, não de quem ocupa o cargo. Quando a Constituição determina que ações penais desse tipo não serão julgadas por um juiz de carreira, mas sim pelo Supremo, está também promovendo transparência. Aumenta-se a visibilidade do caso - e, com ela, o acompanhamento, pela sociedade, da atuação de seu mais alto tribunal.

Nada disso altera o devido processo legal, ou a presunção de inocência. Em um processo criminal, o ônus de provar a culpa é sempre da acusação. Quando o julgador é o Supremo, porém, a opinião pública pode agir sobre a forma e a extensão da expressão do juiz, sem determinar o conteúdo da sua decisão. Os ministros certamente não devem obedecer. Mas precisam dialogar.