Título: Barbosa: PT comprou aliados
Autor: Souza, André de ; Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 18/09/2012, País, p. 3

Relator condena réus do PP e adianta que são culpados todos os que venderam apoio na Câmara

um julgamento para a história

BRASÍLIA Depois de listar pagamentos de propina e cruzar com datas de votações na Câmara, o relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, assegurou que há farto material para atestar que o PT usou o valerioduto para comprar o apoio de parlamentares aliados ao governo Lula.

Ontem, o ministro apresentou a primeira parte de seu voto sobre o capítulo que trata diretamente do repasse a políticos e condenou cinco réus ligados ao PP (Partido Progressista). No voto, Joaquim Barbosa indicou que também fará o mesmo com relação a outros partidos citados no processo no Supremo Tribunal Federal: PL (atual PR), PTB e PMDB, que também receberam dinheiro do esquema. Por fim, julgará os supostos corruptores - entre eles, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

O ex-deputado e ex-presidente do partido Pedro Corrêa (PE), o deputado Pedro Henry (MT) e o assessor parlamentar João Cláudio Genu foram condenados por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Os empresários Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, donos da corretora Bônus Banval, foram condenados por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Barbosa vai formalizar essas condenações na sessão de amanhã.

- Há farta demonstração documental e testemunhal referente aos pagamentos realizados aos parlamentares beneficiados, não havendo qualquer dúvida quanto à existência do esquema de compra de votos a esta altura deste julgamento - afirmou o ministro.

Denúncia não foi vingança política

O capítulo tem 23 réus. Barbosa deve prosseguir com seu voto por mais duas sessões. Só depois é que os demais ministros começarão a votar. Na introdução ao voto, o relator concordou com a denúncia do Ministério Público de que o esquema repassou R$ 55 milhões aos partidos. O valor soma a vantagem recebida pelo PT, assunto que será tratado na próxima fase do julgamento.

- Nestes autos comprovou-se a realização de transferências milionárias de dinheiro, cerca de R$ 55 milhões, por réus ligados ao PT, em proveito de vários parlamentares de partidos que, diante a sua atuação, passaram a compor a chamada base aliada do governo na Câmara dos Deputados - afirmou.

Barbosa afastou a alegação da defesa de réus de que o mensalão foi "invenção" de Roberto Jefferson, presidente do PTB e delator do esquema:

- Apesar de as defesas pretenderem afirmar que o chamado mensalão foi uma invenção de Jefferson para se defender das acusações envolvendo cobrança de propina nos Correios, percebemos, desde o recebimento da denúncia, que as acusações feitas pelo ex-parlamentar estão muito distantes da mera vingança política, ainda que essa possa ter sido a sua motivação inicial.

Apesar de deixar os acusados de corrupção ativa para o fim do voto, Barbosa adiantou sua convicção sobre a participação do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares nas ilegalidades. Ele concorda com a versão do Ministério Público de que Delúbio era o responsável por indicar os beneficiários dos recursos:

- Os acusados procederam à distribuição de dinheiro em espécie aos parlamentares indicados a Marcos Valério pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

barbosa: PP recebeu R$ 4,1 milhões

Barbosa disse ainda que, para condenar alguém por corrupção passiva, não é necessário provar que o agente público que recebeu dinheiro do esquema fez algo em troca para merecer. Só o fato de terem recebido o dinheiro já bastaria. No entanto, o relator afirmou que, se fosse necessário, os votos em projetos de interesse do governo configurariam o ato de ofício.

O relator citou compra de apoio nas votações das reformas da Previdência e tributária. Mas ressaltou que não foram os únicos casos. Ressaltou que as datas das votações coincidem com as dos repasses aos partidos:

- De fato, essas reformas receberam o fundamental apoio dos parlamentares comprados pelo PT e das bancadas por eles orientadas ou dirigidas, exatamente no momento em que foram realizados os maiores repasses de dinheiro aos parlamentares acusados.

Para ele, há ligação direta entre as votações e a propina:

- Fica comprovado que os parlamentares prestaram seu apoio ao governo na Câmara influenciados por esses pagamentos.

O relator afirmou que o PP recebeu R$ 4,1 milhões do PT. Para ele, não havia interesse dos petistas em repassar esse valor, a não ser a compra de apoio político. A maior parte do dinheiro veio de saques no Banco Rural, feitos por Genu. Também houve operações trianguladas da corretora Bônus Banval, de Quadrado e Fischberg, e da Natimar, de Carlos Alberto Quaglia. Em algumas ocasiões, o dinheiro era entregue "em domicílio" pelas empresas.

- Está cabalmente comprovada a trama arquitetada pelos réus para a lavagem de dinheiro em proveito de pessoas ligadas ao PP - disse o ministro.

Para Barbosa, os dois deputados e o assessor parlamentar formaram uma quadrilha para viabilizar os crimes:

- Os recursos foram efetivamente pagos e o apoio foi dado de forma firme e majoritária pelo partido. Houve votações, às vezes muito precárias, com o quórum baixíssimo, em que os votos dos membros desse partido garantiam essas votações.

O relator disse que não dará peso a depoimentos de testemunhas com vínculo de amizade com os réus. Nas alegações finais de Dirceu, a defesa ressaltou depoimentos de parlamentares - alguns deles, amigos do réu - que disseram não saber do mensalão.