Título: Sem solução à vista
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 27/09/2009, Mundo, p. 30

Deposição de Manuel Zelaya completa 90 dias e impasse se consolida. Nenhum dos lados admite ceder

Noventa dias depois de Manuel Zelaya ter sido deposto da presidência de Honduras e seis desde que ele voltou ao país para se aquartelar na embaixada brasileira em Tegucigalpa, o conflito que alterou radicalmente o cotidiano dos hondurenhos parece cada vez mais longe de um desfecho aceitável para ambas as partes. Enquanto Zelaya e seus seguidores não consideram deixar tão cedo as instalações brasileiras ¿ que já se tornaram precárias diante da quantidade de abrigados e do racionamento de comida ¿, o governo de fato de Roberto Micheletti só oferece uma opção segura para o presidente deposto: a saída definitiva do país até que sejam realizadas as eleições de novembro.

Em meio ao impasse, manifestações continuam tomando as ruas da capital hondurenha praticamente todos os dias. Ontem, mais uma foi realizada, no fim da tarde. Em comunicado, Micheletti anunciou que o toque de recolher no país foi estendido para 12 horas ¿ entre as 18h e as 6h de hoje.

Fora do país, os líderes da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa discutem, divergem, mandam recados. Ontem, a União Europeia (UE) anunciou a volta de seus embaixadores a Honduras, não como forma de ¿reconhecer o governo de fato¿, mas para ¿ajudar¿. Em Isla Margarita, na Venezuela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu incluir na Cúpula da ASA (América do Sul-África) a discussão de um comunicado conjunto sobre a situação em Honduras.

Para os seguidores de Zelaya, a ajuda externa é importante, mas é preciso ir além. ¿É fundamental que as ações internacionais tenham consequências reais, senão serão apenas palavras que o governo golpista simplesmente não escuta¿, disse ao Correio um dos líderes da resistência, Carlos Eduardo Reina, que ainda disse ver com receio a volta dos embaixadores da UE. ¿Não sei se vai ajudar. O problema é esse tipo de ação começar a legitimar o governo de fato¿, argumenta.

Reina confirmou que não há previsão de Zelaya deixar a embaixada, a não ser rumo ao palácio presidencial. ¿Em nenhum momento o presidente Zelaya considerou deixar Honduras. Ele expôs a sua vida para retornar ao seu país¿, destacou o militante.

¿Guerra psicológica¿ A rotina no prédio brasileiro não tem sido das melhores. Segundo acusou Reina, os militares têm se aproximado mais dos muros da embaixada, e o acesso a alimentos está ¿cada vez mais difícil¿. ¿Na noite de ontem (sexta-feira), havia 50 policiais nos fundos do prédio, escalando o muro da embaixada. Eles ficavam ameaçando entrar, fazendo uma verdadeira guerra psicológica¿, confirmou o jornalista José Luis Galdamez, da Radio Globo de Honduras. Ontem à tarde, o ministro-conselheiro do Brasil em Honduras, Francisco Catunda, que ficou responsável pela representação na ausência do embaixador, conseguiu autorização do governo brasileiro para deixar a embaixada depois de seis dias. A ideia é que diplomatas brasileiros se revezem a partir de agora no local.

Segundo os seguidores de Zelaya, uma manifestação com ¿cerca de 80 mil pessoas¿ saiu às ruas ontem em direção à embaixada. O jornal governista El Heraldo, porém, noticiou apenas o início de uma ¿carreata¿ pró-Zelaya a partir da Universidade Pedagógica Nacional Francisco Morazán.

Para o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Flávio Sombra Saraiva, a volta de Zelaya ao país só deixou ainda mais distante uma solução para o conflito. ¿A solução interna parece que estava se desenhando, com a crescente legitimidade da eleição de novembro. Então estourou esse vulcão que mudou o pano de fundo¿, afirma. Segundo ele, com os ¿ânimos acirrados¿, a capacidade de negociação perde muita força e é possível que o impasse dure até novembro. ¿Os órgãos de segurança coletiva da ONU devem estar sempre observando, mas a solução terá que ser interna, hondurenha. E tendo a sugerir que será a preservação do calendário eleitoral, com ou sem Zelaya habitando a embaixada do Brasil.¿