Título: O cenário possível hoje na Síria é um ponto de interrogação
Autor: Sorano, Victor
Fonte: O Globo, 20/09/2012, Mundo, p. 32

Chefe das missões de paz da ONU é cético sobre diálogo

Vitor Sorano

Impasse. "Não há paz para manter", diz Mulet

Massacre interminável. Corpos de membros do oposicionista Exército Livre da Síria, em Aleppo; mortes na guerra civil já chegam a 30 mil

Reuters

As missões de paz precisam de um acordo para serem efetivas, mas o espaço para diálogo político na Síria pode ter se fechado. Nesse caso, seria preciso criá-lo, e para isso há uma nova tentativa de negociação em curso, com apoio da ONU. Mas Edmond Mulet, secretário-geral-adjunto para Operações de Paz da entidade, parece cético. No Rio para uma conferência da Fundação Konrad Adenauer, ele conversou com o GLOBO. "Não sabemos o que vai ocorrer", enfatizou.

O senhor já disse que o espaço de diálogo político na Síria era muito limitado. Ainda há espaço?

Já há quase 30 mil mortos neste ano e meio de guerra civil. O que a ONU deseja - e esse é o mandato dado a Lakhdar Brahimi (enviado da organização e da Liga Árabe) - é levar em conta sobretudo os interesses do povo sírio. O acesso da ajuda humanitária é muito importante, pois em muitos lugares não há atividade econômica, não há nada. Muitos estão sem salários, não têm o que comer. Há mais de 200 mil refugiados nos países vizinhos e o número está crescendo. Essa situação de confrontação não é sustentável. Não sabemos quanto tempo vai durar. Pode ser semanas, meses, mais tempo. Dizemos que há espaço (para diálogo político), e se não há, é preciso criá-lo. Brahimi abriu um escritório permanente em Damasco e terá de 30 a 40 pessoas para seguir desde dentro o trabalho de diálogo.

É possível diálogo com o regime Assad após 19 meses e 30 mil mortos?

Não sei. Quando tínhamos 300 observadores (da missão da ONU que vigorou de abril a agosto), era muito difícil. Mas eles conseguiram, em bairros, povoados pequenos, fazer mediações e acordos de cessar-fogo locais para a retirada de população civil e entrega de ajuda humanitária. Mas não houve acordo (no Conselho de Segurança) para estender a missão e tivemos de sair. Não há paz para manter. Não há um acordo político. A ONU está preparando planos de contingência para diferentes cenários políticos e de segurança e estabilidade para o futuro. Não sabemos o que vai ocorrer, há muitos interesses, muitas agendas às vezes escondidas de alguns Estados-membros, então é muito difícil saber como, quando e onde é que vamos poder trabalhar.

A Turquia propõe a criação de zonas desmilitarizadas na Síria, que não funcionaram na Bósnia...

Criar zonas de proteção a civis dentro da Síria neste momento é impossível, pois seria preciso uma força internacional para proteger os civis, e não temos elementos para isso, e seria necessário também uma decisão do conselho. É outro cenário que hoje não é possível. O acesso a esses lugares para (levar) ajuda humanitária dependeria da vontade do governo sírio, e essa vontade também não está no cenário.

O senhor crê na possibilidade de cessar-fogo entre o governo e uma oposição fragmentada?

É muito difícil. Houve apelos para que a oposição se una ou faça, talvez não uma fusão, mas tenha uma coordenação, mas isso não se deu. Também há muitas agendas dentro da oposição, motivações étnicas, religiosas, ideológicas.

Então qual é o cenário possível?

É o que não sabemos. É o grande ponto de interrogação. O (cenário) possível neste momento é impossível de definir. E aí Brahimi se esforça para encontrar os pontos comuns entre todos e construir sobre eles.

Houve mudanças na Undof (que monitora o cessar-fogo entre Israel e Síria nas Colinas de Golã)?

Elevamos a situação de alerta nas missões no Líbano (Unifil) e em Golã, mas não mudamos a forma de trabalho. Opositores sírios entraram na área desmilitarizada, mas não na área ocupada por Israel.