Título: Livros e documentos em risco na Biblioteca Nacional
Autor:
Fonte: O Globo, 21/09/2012, Opinião, p. 22

Com um acervo de 9 milhões de obras, a Biblioteca Nacional se tornou, ao longo de sua bicentenária história, a maior e mais importante instituição do gênero na América Latina. Nela estão reunidos manuscritos (800 mil) e arquivos literários que contam a trajetória do livro no país, mapas antigos (30 mil), preciosidades como a primeira edição de "Os Lusíadas", o documento original que oficializou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, assinado por D. João VI, e o chamado "livro das horas", obra do século XIV cuja última dona foi Teresa Cristina, mulher de D. Pedro II. É uma das joias do patrimônio do Ministério da Cultura.

É uma imponência histórica e documental que não lhe assegura um tratamento administrativo à altura da majestade. Juntamente com um acervo insubstituível na memorabilia do país, acumulam-se problemas no imponente prédio da Cinelândia, os mais graves ligados à segurança do patrimônio. Há relatos de estantes que dão choque, de vazamentos no sistema de ar refrigerado (que por duas vezes este ano teriam provocado inundações em alguns andares), frequentes ameaças de pragas como cupins, brocas e traças, registro de ratos, e evidências de má conservação da fachada. Recentemente, funcionários da instituição fizeram uma bem-humorada manifestação na escadaria para "comemorar" o aniversário das baratas que infestam o imóvel.

Não são problemas recentes. Trata-se de um acúmulo de desserviços. No que toca à valorização do acervo, é digno de registro - negativo - o fato de apenas 576 mil obras estarem à disposição no catálogo da internet. A digitalização do acervo estaria parada desde 1997. Na questão da proteção patrimonial, em abril de 2011 um relatório de prevenção de incêndio, encomendado pela própria Biblioteca Nacional, compilou o resultado de anos de descaso com a segurança de documentos - e também das 600 pessoas que lá trabalham.

O quadro registrado no documento é preocupante. Há falhas no sistema de prevenção de incêndios (faltam extintores, e, em alguns espaços onde eles existem, são inadequados), adaptações toscas no sistema elétrico, não há escadas de escape em áreas estratégicas para evacuações. Foram feitas improvisações na fiação da casa das máquinas dos elevadores etc. A isso se junta inaceitável descuido com o armazenamento de livros, adverte o relatório.

A direção da biblioteca assegura que já tomou providências. É bom que o tenha feito, ou que o faça. Faz parte do dever de casa. Igualmente está entre as obrigações da administração (a começar pela ministra Marta Suplicy) zelar pelo patrimônio de uma instituição depositária de livros e documentos que contam a História brasileira, mantendo-o preventiva e permanentemente a salvo da degradação física que o relatório indica.