Título: PF: inquérito não será fácil
Autor: Magalhães, Camilia de
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2009, Brasil, p. 8

Ministro diz que vazamento deve ter ocorrido na gráfica que imprimiu as provas. Empresa divulga nota negando envolvimento e ainda apresenta uma carta em que o ministério agradece pelo trabalho realizado

A superintendência da Polícia Federal em São Paulo abriu ontem inquérito para apurar o vazamento das provas do Enem, mas ainda não definiu quais serão as linhas da investigação. Dois delegados da área de crimes fazendários vão cuidar do caso, e um dos primeiros passos será ouvir os jornalistas para quem os exames foram oferecidos. O inquérito foi aberto depois de o ministro da Educação, Fernando Haddad, ter conversado com o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa.

A PF deverá requisitar do jornal O Estado de S. Paulo possíveis fotografias tiradas durante a conversa entre a repórter e duas pessoas que ofereceram as provas em troca de R$ 500 mil. Além disso, deverá verificar os contatos feitos por quem vazou o material. O superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Leandro Daielo Coimbra, recebeu a determinação de Corrêa e determinou a instauração do inquérito no início da tarde.

Haddad afirmou, durante entrevista coletiva realizada ontem no MEC, que a prova do Enem que vazou deve ter saído da gráfica Plural, localizada em São Paulo. Isso porque a versão do exame oferecida ao jornal era a definitiva. ¿Não há como imprimir uma prova com o padrão do Inep, com o logotipo inclusive, sem ser numa gráfica¿, disse Haddad. Ele destacou, entretanto, que todas as imagens gravadas pelas câmeras do Inep serão repassadas às autoridades policiais. ¿Ninguém consegue entrar no Inep sozinho. Há imagens de quem entra e quem sai.¿

Haddad classificou a maneira de agir das pessoas que ofereceram a prova à imprensa como anômala. ¿Elas estão se expondo de uma maneira que nos levará aos autores do delito rapidamente, acredito. Se contarmos com o apoio da sociedade, poderemos saber em que etapa do processo houve o vazamento dos dados¿, disse o ministro. Porém, delegados da PF em São Paulo informaram que a investigação poderá não ser tão fácil ou rápida, como manifestou o ministro.

Em nota, a Gráfica Plural diz que o vazamento não ocorreu nas dependências da empresa. Segundo o comunicado, a área de impressão e acabamento do parque gráfico ficou totalmente isolada durante a confecção das provas do Enem. ¿Todo mundo que trabalha na impressão das provas assina termo de responsabilidade de sigilo e declaração de não participação no Enem¿, destaca o diretor-geral da gráfica, Carlos Jacomine. Segundo Jacomine, a produção das provas demorou 36 dias e foi encerrada em 29 de setembro. O diretor destaca ainda que recebeu do Ministério da Educação uma carta de agradecimento na qual diz que o desempenho da empresa foi excelente.

O Correio teve acesso à carta enviada pelo Ministério da Educação à Gráfica Plural. Ela é assinada pela técnica Maria das Graças Leite e foi enviada em 28 de setembro, ou seja, um dia antes da empresa finalizar os trabalhos.

Responsáveis mantidos

Renata Mariz Camila de Magalhães Wilson Dias/ABr O ministro Fernando Haddad: ¿Não há tempo para nova licitação¿

Com o cancelamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o consórcio de empresas que estava à frente da seleção será mantido pelo Ministério da Educação. Mesmo com as suspeitas que inevitavelmente recaem agora sobre o Connasel(1), Fernando Haddad, titular da pasta, tem um problema: o grupo foi o único que participou da licitação para organizar a logística que envolve o Enem ¿ da impressão dos testes à emissão de resultados. ¿Não há tempo para nova licitação e nós não temos um segundo ganhador¿, ressaltou o ministro, no início da manhã de ontem durante uma entrevista. Haddad só não respondeu ainda quem arcará com o ônus de cerca de R$ 30 milhões, que o MEC já repassou ao Connasel para custear os gastos de impressão.

Uma nova data para o teste e possíveis punições às empresas, de acordo com o ministro, seriam discutidas em uma reunião na noite de ontem entre representantes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Connasel. O encontro, no entanto, foi adiado para hoje, em uma decisão tomada pelo ministro e pelos integrantes do consórcio. Com tradição reconhecida na área, apesar de alguns escândalos envolvendo fraudes no ano passado, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), que integra a Fundação Universidade de Brasília, explicou não ter participado da licitação para operacionalização do Enem porque optou pela realização da Prova Brasil e do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), sobre os quais já teria know-how e que estão marcados para datas próximas aos testes do ensino médio.

Em conversa com a imprensa, Fernando Haddad ressaltou não saber por que houve apenas um único interessado em assumir o projeto do Enem, dada a dimensão do serviço e o valor do contrato, de R$ 110 milhões.

1- Três cidades O consórcio que tem nas mãos a incumbência de aplicar o Enem, chamado de Connasel, é formado por três empresas: Consultec, FunRio e Instituto Cetro, cujas matrizes são, respectivamente, em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.

Análise da notícia O baque do ministro

Provável candidato a deputado em 2010, Fernando Haddad terá de lidar com dois problemas em função das fraudes envolvendo o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Primeiro vem a pendenga prática. Garantir, a todo custo, a realização, este ano, da primeira edição dos testes nos moldes que ele mesmo idealizou. Isso porque esse novo Enem, utilizado como ferramenta de seleção para ingresso em mais de 55 universidades públicas federais do país, é um projeto pessoal de Haddad, que insistiu com os reitores nos últimos meses para garantir uma adesão expressiva das instituições. A outra dor de cabeça está no âmbito político. Um baque na imagem de durão construída nos últimos quatro anos, quando aperfeiçoou os testes de qualidade da educação, fechou cursos de ensino superior mal avaliados e defendeu questões polêmicas, como as cotas raciais.

A fraude, agora, remete Haddad a uma indagação feita desde que o novo Enem foi anunciado. Segurança, num país de proporções continentais, era a preocupação, sempre minimizada pelo ministro, que recorria à tradição do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no assunto. Apesar dos percalços, Haddad sabe que não pode recuar depois de articular um projeto tão ambicioso em menos de um ano. (RM)