Título: Recados aos muçulmanos
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 26/09/2012, Mundo, p. 31
Citando até o Brasil como exemplo, Obama defende democracia e liberdade contra radicais
Política externa. Obama faz seu discurso na ONU: da fúria muçulmana à Palestina, passando pelo Irã, houve menções a toda a agenda
NA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU
NOVA YORK Em seu mais importante discurso dirigido ao mundo árabe desde a visita ao Cairo em 2009, o presidente Barack Obama afirmou, ontem, no plenário da Assembleia Geral da ONU, que os Estados Unidos continuarão apoiando as forças da mudança no Oriente Médio e no Norte da África. O presidente destacou que, em meio ao turbulento processo de transição, é preciso enxergar uma "temporada de progresso" e cobrou dos governos regionais que assumam sua responsabilidade no combate ao extremismo e à intolerância. Ele se disse inspirado pelo brilho de esperança nos olhos das crianças nas favelas do Rio e nas escolas de Bombaim.
- Isso me recorda que, para cada multidão raivosa exibida na TV, há bilhões de pessoas ao redor do mundo que compartilham as mesmas esperanças e sonhos - declarou.
Obama disse, ainda, que continuará tentando um acordo diplomático com o Irã para evitar a obtenção de armas nucleares pelo regime dos aiatolás, mas que o tempo "não é ilimitado".
- Um Irã com armas nucleares é um desafio que não poderia ser contido. Traria uma ameaça de eliminação de Israel, riscos para a segurança dos países do Golfo Pérsico e para estabilidade da economia global - alertou.
Ele acusou o governo do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, de sustentar o regime de Bashar al-Assad, e voltou a defender a renúncia do ditador sírio.
- Declaramos mais uma vez que o regime de Bashar al-Assad precisa chegar ao fim, para que o sofrimento do povo sírio possa terminar, e um novo amanhecer ocorra no país - disse Obama. - Se há uma causa que merece protesto hoje, protesto pacífico, é um regime que tortura crianças e lança bombas em prédios de apartamentos.
"podem me CHAMar DE NOMES HORRíVEIS"
Interrompido oito vezes por aplausos do plenário lotado, Obama recapitulou a atuação dos EUA ao longo das insurgências no mundo árabe nos últimos dois anos e disse que seu governo continuará engajado para evitar novos ciclos de violência sectária.
- Insistimos por uma mudança no Egito, porque nosso apoio à democracia nos coloca do lado do povo - afirmou o presidente.
Citando Nelson Mandela e Mahatma Gandhi, dois de seus heróis, Obama pregou a tolerância, e disse que a violência é a única forma encontrada pelos extremistas para se manterem relevantes num mundo em transição para a democracia.
- O impulso em direção à intolerância e à violência pode ser inicialmente dirigido contra o Ocidente, mas ao longo do tempo ele não pode ser contido. O mesmo impulso em direção ao extremismo é usado para justificar a guerra entre sunitas e xiitas, entre tribos e clãs. Isso não leva à prosperidade, mas ao caos - afirmou.
Obama abriu e fechou seu discurso falando do embaixador Christopher Stevens, morto na Líbia no dia 11 de setembro, vítima da onda de violência antiamericana detonada por um vídeo produzido nos EUA ridicularizando o profeta Maomé. Repetindo condenações anteriores, ele chamou o vídeo de grosseiro e repulsivo, mas disse que a violência que se seguiu à circulação das imagens é injustificável.
E fez, ainda, uma defesa vigorosa da liberdade de expressão garantida pela Constituição dos EUA.
- Como eu, a maioria dos americanos é cristã, mas não proibimos a blasfêmia contra nossas crenças mais sagradas. Como presidente e comandante em chefe, aceito que as pessoas vão me chamar de nomes horríveis todos os dias, e defendo o direito delas de fazê-lo - disse Obama, provocando risos e aplausos da plateia.
O presidente reconheceu que nem todos compartilham a defesa da liberdade de expressão, mas ponderou que em 2012, com a internet e as mídias sociais, a questão do controle de informação é uma página virada. Descendente de uma família de muçulmanos do Quênia, disse entender a indignação provocada pelo vídeo, mas ressalvou:
- Para ter credibilidade, os que condenam o insulto devem condenar também o ódio que vemos nas imagens profanadas de Jesus Cristo, ou em igrejas que são destruídas, ou quando o Holocausto é negado.
Obama estendeu sua mensagem de mudança para além do mundo muçulmano, afirmando que "a paz e o progresso chegam aos países que tomam as decisões certas".
- Do Brasil à África do Sul, da Turquia à Coreia do Sul, da Índia à Indonésia, povos de diferentes raças, religiões e tradições tiraram milhões de pessoas da pobreza, respeitando os direitos de seus cidadãos e assumindo suas responsabilidades como nações - disse Obama.
O presidente dos EUA também defendeu mais uma vez a criação do Estado da Palestina.
- Entre israelenses e palestinos, o futuro não pertence aos que viram as costas à paz. Vamos deixar para trás os que vivem do conflito, os que rejeitam o direito de Israel a existência. O caminho é difícil, mas o destino é claro: um Estado de Israel judaico seguro e uma Palestina independente e próspera - defendeu Obama.