Título: Perda de fôlego
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2009, Economia, p. 11

Recuo das exportações provoca deterioração da balança comercial brasileira e leva governo a abandonar a meta de US$ 160 bilhões

Porto: pela primeira vez em 10 anos haverá queda nos embarques

O Brasil ficou com a indesejada fatura da crise que derrubou economias em todo o mundo. Devido à falta de demanda nos países compradores dos produtos nacionais, pela primeira vez em 10 anos, as exportações brasileiras irão cair na comparação entre um ano e os 12 meses imediatamente anteriores. Quando se levam em conta apenas as importações, 2009 vai representar a primeira queda desde 2001. Também a soma entre exportações e importações sofrerá os impactos da crise. Segundo projeções do Banco Central, a corrente de comércio deve registrar retração neste ano, algo que não ocorria desde 2002.

A iminência cada vez mais certa de que 2009 será um ano magro para o comércio exterior obrigou o governo a rever suas contas para os resultados da balança. ¿Dificilmente vamos chegar a US$ 160 bilhões de exportações neste ano, que era o que prevíamos. Não temos esse cálculo (de quanto deverá chegar) pronto, mas, muito provavelmente vamos repetir o quadro dos últimos 12 meses, que está hoje em US$ 158,8 bilhões¿, afirmou o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Welber Barral, que comentou ontem os resultados da balança comercial de setembro.

No oitavo mês do ano, as exportações brasileiras somaram US$ 13,8 bilhões, indicando uma pequena alta (0,2%) ante o mês imediatamente anterior, fato que não ocorria desde junho, na série sem ajuste sazonal (característica de um período). No que se refere às importações, setembro surpreendeu, registrando o melhor resultado desde o início do ano. Mas que, ainda assim, foi insuficiente para reverter a queda do saldo comercial, que é a diferença entre exportações e importações. Em setembro, o saldo bateu US$ 1,3 bilhão, o segundo pior resultado do ano, perdendo apenas para janeiro, quando a diferença entre o que é vendido e o que é comprado lá fora ficou negativo em US$ 529 milhões.

No ano, as exportações estão 25,1% menores do que o patamar de vendas registrado nos oito primeiros meses de 2008, de US$ 150,8 bilhões. As importações também cederam, ao marcarem no acumulado do ano, total de US$ 90,5 bilhões, ante US$ 131,1 bilhões registrado em igual período de 2008. O resultado indicou uma variação negativa de que ultrapassa os 30,3% ¿ a maior variação negativa para todos os indicadores da balança comercial. ¿O lado negativo é que tudo está negativo. O lado positivo é que tudo pode voltar a crescer¿, comentou Barral, que diz esperar uma recuperação nos próximos meses.

Demanda Barral acredita que a recuperação econômica ainda que tímida dos países compradores de produtos brasileiros vai ajudar a balança comercial a registrar melhores resultados dos que os que foram verificados nos últimos meses de 2008 e nos primeiros meses deste ano, período em que a falta de demanda praticamente aniquilou o comércio brasileiro com outros países. ¿Um bom exemplo é a queda das exportações para os Estados Unidos e a Argentina, que mostra que o Brasil está vencendo a crise mais rapidamente do que esses países¿, observou o economista André Sacconato, especialista em comércio exterior da consultoria Tendências.

Entre janeiro e julho, o saldo das transações comerciais entre Brasil e Estados Unidos apresentou defict de US$ 3,5 bilhões, revertendo o superávit sempre favorável ao Brasil. Somente no que diz respeito às exportações, a queda das vendas de produtos brasileiros aos Estados Unidos está 55,4% menor em 2009, na comparação entre janeiro e setembro com igual período do ano passado. Com a Argentina não foi muito diferente, com redução nas exportações na ordem de 30,1%. Entretanto, o saldo do comércio entre os dois países ainda é favorável ao Brasil em US$ 370 milhões ¿ resultado baixo quando comparado aos superávits apresentados em outros anos.

Um dos fatores que explicam essa queda é a valorização do real frente ao dólar e frente ao peso argentino, o que favoreceu mais as importações do que as exportações de produtos brasileiros. O fator câmbio(1) é preponderante nessa distorção da balança comercial, porque ele funciona como um excelente incentivo às compras, em detrimento das exportações¿, explica o economista-chefe do banco BES Investimento, Jankiel Santos. ¿Entretanto, vale ressaltar que essa visão de que a balança exportadora é sempre melhor do que o contrário é mito. Porque o aumento da importação, quando de bens de capital e tecnologia, por exemplo, pode favorecer bastante o desenvolvimento da indústria nacional¿, disse.

1- Real forte Entre oito moedas pesquisadas, o real foi a que mais se valorizou em 2009. Em oito meses, o valor do real frente outras moedas subiu 31,44%, mostrando uma alta duas vezes maior que a segunda colocada, o peso chileno, com 17,01%. A consultoria Economatica, que produziu o estudo, mostrou também que, entre as oito moedas analisadas, apenas o peso argentino apresentou desvalorização no ano, com perda de 9,87% no período.

O lado negativo é que tudo está negativo. O lado positivo é que tudo pode voltar a crescer¿

Welber Barral, secretário de Comércio Exterior

Importação de máquinas sobe 20%

O avanço das importações em setembro sinaliza um princípio de retomada dos investimentos pelo setor produtivo. De acordo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), as compras de máquinas e equipamento aumentaram 20% em comparação a agosto. Entre os itens mais adquiridos no exterior no último mês sobressaíram maquinário industrial, aeronaves e veículos de carga. A compra desses itens no exterior é avaliada como positiva porque estão relacionadas à ampliação do parque fabril brasileiro e melhoria da infraestrutura. Além de máquinas, equipamentos e veículos de transportes, os dados mostram alta de 8,2% nas encomendas de matérias-primas e insumos.

¿Isso quer dizer que, passada a crise, os brasileiros estão começando a comprar mais, o que indica também uma retomada do investimento¿, contou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. ¿Na prática, mostra que as indústrias têm diminuído a capacidade ociosa, o que leva ao segundo passo da cadeia, que é aumentar investimentos para suprir a demanda e aumentar a produção¿, acrescentou o economista.

Já a importação de combustíveis e lubrificantes teve a maior alta, 47%, devido ao aumento de 78,5% na compra de petróleo no último mês. ¿Sozinho, o petróleo significou 30% das importações em setembro, o que indica que, em outubro, esse produto deverá contribuir negativamente, devido a um ajuste nos pedidos¿, explica o secretário de Comércio Exterior do Mdic, Welber Barral.

Bens de consumo No último mês, a compra de bens de consumo no exterior foi ampliada em 14,4% frente a agosto. Na comparação com setembro de 2008 houve expansão de 10,6%. As aquisições de bens não duráveis (alimentos e bebidas) ficaram 10,4% maiores ante agosto e 11,8% menores na comparação com igual mês do ano passado.

De maneira geral, o desempenho das importações entre janeiro e setembro mostra que o Brasil comprou menos em 2009 ante 2008 de todos os países vendedores. Entretanto, quando se compara as importações apenas de setembro com as de agosto, verifica-se variação positiva em 11 dos 12 países fornecedores.

¿Com a retomada das compras, a tendência é que o investimento em relação ao PIB (Produto Interno Bruto, que é a soma das riquezas) volte para 20% no terceiro trimestre do ano que vem. Isso, se não houver um segundo mergulho da crise, o que, contudo, descartamos totalmente¿, diz Luís Otávio. (DB)