Título: Sem reservatórios, energia brasileira será mais poluente
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Fonte: O Globo, 22/09/2012, Opinião, p. 18

Com um fantástico potencial de energia renovável, não poluente, ainda por explorar, o Brasil corre o risco de ver as emissões de CO2 por megawatt de eletricidade gerada crescerem 230% nos próximos dez anos. E a razão disso será a necessidade de se usarem usinas térmicas, à base de combustíveis fósseis, para gerar energia. Os cálculos são de um estudo de uma renomada empresa de consultoria do setor e foram apresentados por seu presidente, Mário Veiga, na edição especial do Fórum Nacional, encontro anual voltado para reflexões sobre o futuro do país, organizado pelo ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso.

Essa aparente contradição se deve ao fato de, devido a restrições ambientais, o Brasil não mais construir usinas hidrelétricas acopladas a reservatórios. Nesses próximos dez anos, a capacidade de geração das hidrelétricas crescerá 61%, em decorrência da construção de grandes usinas, como as do Rio Madeira e a de Belo Monte. No entanto, a área dos reservatórios aumentará apenas 11%.

Sem reservatórios, as hidrelétricas deixam de armazenar energia. Passam a depender exclusivamente da vazão dos rios e, por isto, em vários meses do ano, no chamado período seco, de poucas chuvas, são obrigadas a funcionar com capacidade bem reduzida. Há casos até de usinas que chegam a desligar máquinas durante o dia para acumular um volume de água que possibilite o acionamento das turbinas à noite.

Nos anos de chuvas abundantes, durante o período úmido, a água escoa pelos vertedouros das novas usinas sem gerar energia, quando poderia ser armazenada para uso no período seco ou num futuro mais distante, na hipótese de se enfrentar uma fase de baixos índices pluviométricos. A falta dessa energia de reserva faz com que o sistema elétrico dependa cada vez mais de usinas térmicas à base de combustíveis fósseis (gás natural, carvão, diesel e óleo). As demais fontes renováveis são complementares às hidrelétricas, pois não se consegue armazenar vento, por exemplo. As usinas de biomassa que queimam bagaço e palha da cana-de-açúcar funcionam mais nos períodos secos, e certamente dariam maior contribuição ao setor se durante esses meses as hidrelétricas pudessem poupar água em reservatórios.

A opção pelas usinas hidrelétricas a fio d"água se deve a questões ambientais, pois os reservatórios ocupam áreas que muitas vezes envolvem localidades ou são usadas para a produção. Mesmo em áreas desabitadas, os reservatórios causariam impacto ambiental negativo quando a supressão vegetal, sem reposição posterior no mesmo local, é necessária. Porém, essa conta pode ser ainda mais negativa quando se considera que no lugar das barragens entra a queima de combustíveis fósseis com emissão, para a atmosfera, de gases causadores do efeito estufa, caso do CO2. Tudo isso é uma enorme contradição.