Título: Contra-ataque brasileiro
Autor: Barreto, Simone; Souza, André De
Fonte: O Globo, 22/09/2012, Economia, p. 0

Guido Mantega diz que acusação de protecionismo feita pelos Estados Unidos é absurda.

Um dia depois de receber duras críticas dos Estados Unidos, que enviaram carta ao Brasil afirmando que a relação comercial entre os dois países pode ser manchada pelos recentes aumentos nas tarifas sobre importações, o governo brasileiro saiu em defesa das medidas. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, contestou enfaticamente a avaliação dos EUA de que as medidas são protecionistas. E ameaçou elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para coibir a entrada de capital especulativo no país.

- Isso (a avaliação americana) é um absurdo porque os Estados Unidos tomaram mais medidas protecionistas que o Brasil. Além de medidas diretas de protecionismo, ainda vemos o afrouxamento monetário ser uma maneira de reduzir o valor do dólar. E um dos objetivos disso é poder aumentar as exportações americanas. O Brasil é muito menos protecionista do que o Reino Unido e a Alemanha - afirmou o ministro, que participou do segundo dia da conferência organizada pela revista "The Economist" sobre mercados de alto crescimento em Londres.

Na carta enviada na quarta-feira, o representante de Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, pede para o governo brasileiro reconsiderar os planos "protecionistas" de aumento de tarifas de importação, que teria efeito negativo sobre as exportações americanas.

"Estou escrevendo para dizer em termos fortes e claros que os Estados Unidos estão preocupados com os aumentos de tarifas definidos e propostos no Brasil e no Mercosul", disse Kirk, na carta endereçada ao ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota.

"O aumento de tarifas de importação pelo Brasil vai restringir significativamente o comércio em relação aos níveis atuais e claramente representa medidas protecionistas aos produtos nacionais", diz outro trecho da carta do representante americano. "O efeito geral é que uma gama mais ampla de bens industriais enfrentam condições de mercado em deterioração no Brasil".

Kirk também expressou preocupação de que os parceiros comerciais do Brasil respondam da mesma forma, elevando suas próprias tarifas de importação, o que "amplificaria o impacto negativo" das ações brasileiras.

EUA seriam pouco atingidos

Analistas acreditam que a carta não passou de um gesto político, voltado para o público interno, para ajudar na reeleição do presidente Barack Obama. E o governo brasileiro, por sua vez, quis dar uma satisfação ao setor produtivo nacional.

Para ajudar a indústria nacional, o governo brasileiro anunciou este mês a alta do Imposto de Importação de cem produtos, de 12% para 25%, entre eles pneus, químicos, móveis, petroquímicos e material de construção. Em outubro sairá outra lista, com mais cem produtos. As tarifas estão abaixo do teto de 35% estipulado pela Organização Mundial do Comércio. Além disso, fontes envolvidas no assunto disseram que 85% dos produtos que tiveram as alíquotas aumentadas não são importados dos Estados Unidos.

O ministro Patriota também rebateu a manifestação do americano, considerando "injustificável e inaceitável" o conteúdo da carta. Ele disse que é preciso procurar outras maneiras de se desenvolver uma relação comercial equilibrada e mutuamente benéfica entre os dois países, acrescentando que esse tipo de manifestação não é construtiva.

- Nós consideramos injustificável e inaceitável, tanto no conteúdo quanto na forma, essa manifestação do responsável pelo comércio internacional americano, Ron Kirk. Acho que a resposta que foi transmitida ontem mesmo mostra como é descabida e incongruente a carta, porque se tem um país que tem se beneficiado da ampliação do mercado brasileiro tem sido os Estados Unidos nos últimos anos. E as medidas adotadas pelo Brasil, aliás reconhecidas pelo próprio Ron Kirk, estão dentro da normalidade da OMC (Organização Mundial do Comércio) - disse Patriota.

iof para manter dólar alto

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, lembrou que, desde 2009, o Brasil passou a registrar déficit comercial com os EUA. De um ano para outro, a balança saiu de um superávit de US$ 1,795 bilhão para um saldo negativo de US$ 4,430 bilhões. De janeiro a agosto deste ano, as importações de produtos americanos superaram as exportações brasileiras para aquele país em US$ 2,745 bilhões.

- O Brasil respondeu na mesma moeda, mas para jogar para a plateia - disse Castro.

Mantega garantiu ainda que o governo brasileiro não permitirá que o real se aprecie excessivamente, para que a economia não perca competitividade. Este mês, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou que comprará US$ 40 bilhões por mês em títulos lastreados em hipotecas até que o mercado de trabalho do país demonstre reação, num programa conhecido como quantitative easing , ou afrouxamento monetário.

- Se houver um grande fluxo de capitais americanos especulativos, não de investimentos, porque de investimentos nós queremos, nós teremos que comprá-los, vamos aumentar as nossas reservas ou vamos fazer operações no mercado de derivativos, com compras no mercado futuro. Se nada disso for suficiente, tomaremos medidas de taxação de IOF como já fizemos no passado - afirmou o ministro da Fazenda.