Título: As relações entre Brasil e Venezuela vão muito além de Lula e Hugo Chávez
Autor: Daibert, Paula
Fonte: O Globo, 25/09/2012, Mundo, p. 27
Candidato da oposição quer reforçar investimentos brasileiros e replicar o modelo de reformas
CARACAS O candidato à Presidência da Venezuela Henrique Capriles não tem tempo a perder. Dorme apenas quatro horas por noite. Nos próximos dez dias visitará 20 estados do país em busca de votos, na reta final da campanha mais disputada desde que Hugo Chávez chegou ao poder. O opositor diminuiu a distância em relação ao presidente e conta com 37,2% das intenções de voto, segundo o Datanálisis. A disposição deste advogado de 40 anos é visível. Pensa bem antes de falar, mas não para de mexer as pernas e os pés debaixo da mesa. "Nunca houve uma campanha tão intensa na Venezuela", disse ao GLOBO, na sede do comando de campanha. Ele afirma que manterá boas relações com o governo de Dilma Rousseff se for eleito. Ele critica a "guerra suja" de Chávez para destruir sua imagem e assegura: "Nos próximos dias será pior". Os venezuelanos decidem em 7 de outubro quem comandará o país até 2019.
O governo brasileiro tentou uma aproximação para convidá-lo a um encontro com Dilma?
Não. Havia uma visita prevista ao Brasil, mas estou numa cruzada pelo país. Começo minha quarta volta pela Venezuela, que vai até a quinta-feira da semana que vem. Visitarei 20 estados. Tinha previsto ir ao Rio de Janeiro, mas decidi cancelar porque não podia ausentar-me por causa da intensidade da campanha.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff têm boas relações com Chávez. Como serão suas relações com o Brasil se vencer as eleições?
As relações entre Brasil e Venezuela vão além das pessoais entre Lula e Chávez. Como falo do modelo de economia brasileiro, seguramente o governo pediu que Lula gravasse um vídeo de apoio a Chávez, mas Lula não vota na Venezuela, e o que ele diz não vai me fazer ganhar ou perder votos. Com Dilma, a relação com Chávez é outra. Uma vitória nas eleições significará excelentes relações com o Brasil. O Brasil é um grande fornecedor, mas não um grande investidor na Venezuela. Quero que as relações sejam mais equilibradas, que o investimento brasileiro venha ao país, o que não acontece porque o setor privado não dá garantias a investidores estrangeiros.
Como baseia seu programa econômico no modelo brasileiro?
O Brasil viveu situação similar à que a Venezuela vive hoje. Aplicaram o Plano Real, reformas e agora é um país que cresceu economicamente, conseguiu tirar 20 milhões da pobreza, gerou 16 milhões de empregos formais. O Brasil tem um modelo que combina o público com o privado, mas com responsabilidade social. E podemos replicá-lo aqui.
Por que escolheu os publicitários brasileiros Renato Pereira e Chico Mendez para atuar na campanha?
O Brasil está muito mais avançado em comunicação política que a Venezuela. Montei uma equipe de venezuelanos e brasileiros. Chico é jovem e Renato também é absolutamente atualizado. Os dois compreendem perfeitamente meu projeto social e provavelmente continuarão comigo após o pleito. Eles querem ganhar de João Santana (publicitário das campanhas de Lula e Dilma), que está com Chávez. Temos uma competição entre brasileiros.
O que pensa sobre as estratégias usadas pelo governo na campanha?
O que resta ao governo é a guerra suja. Nos canais públicos dizem que sou drogado, homossexual, até nazista. Imagine! Sou neto de sobreviventes do Holocausto, minha avó é polonesa e esteve no gueto de Varsóvia, meu bisavô morreu num campo de concentração... Mas essa estratégia nos fortalece. Chávez usa o aparato de comunicação do governo para destruir minha imagem. Nenhum país da América tem uma plataforma de comunicação como a deste governo. São rádios, jornais e canais regionais e nacionais, além da autocensura. Nos próximos dias será pior. Tenho uma trajetória que construí com trabalho, não é fácil destruí-la de um dia para outro. Fui deputado, prefeito e governador, não venho da velha política. Minha estratégia é mostrar soluções aos problemas dos venezuelanos.
A decisão de excluir o deputado Juan Carlos Caldera da campanha não pode ser considerada um reconhecimento de culpa? Ele foi flagrado recebendo dinheiro do empresário Wilmer Ruperti, ligado a Chávez...
Não, o que o Caldera fez não é crime. Posso pedir que qualquer pessoa colabore com a campanha. Isso é legal. Inaceitável foi usar meu nome. Não sabia da reunião e jamais pediria dinheiro a esse empresário, que é vinculado aos negócios corruptos do governo. Tenho responsabilidade nas costas e ninguém vai manchar o que construí. Vi o vídeo, a imagem era clara, então decidi tirá-lo da campanha. Mas não julgo ninguém.
Qual foi o impacto na campanha?
Afetivo, foi um golpe porque Juan Carlos era uma pessoa próxima. Mas mandei uma mensagem clara ao país: não estou aqui para defender amigos. Corrupção ou algo parecido, fora!
Dará continuidade às missões (projetos sociais) de Chávez?
Chávez difunde a ideia de que se não estiver no poder, elas desaparecerão. Usa as missões para chantagear a população, e deixa clara sua estratégia de utilizá-las para benefício político. As missões devem continuar e ser melhoradas, mas não são suficientes. Você pode receber 500 bolívares (R$ 235) por mês, mas continua morando na mesma casa e não tem trabalho. Um programa social não deve só assistir, mas mudar a condição de vida da população. Não podemos comparar as missões de hoje com quando os projetos começaram, há nove anos. O governo as enfraqueceu, com anos de corrupção e ineficiência. É inacreditável que o único resultado sejam programas sociais, num país que teve bonança petroleira.
Chávez insiste em ameaça de guerra civil se o senhor for eleito. Como pode reverter essa percepção?
Ele dizia a mesma coisa antes de eu me eleger governador. Ganhei e não aconteceu nada. Fala isso para intimidar. A única guerra que existe na Venezuela é contra a criminalidade. Vivemos num dos países mais violentos do mundo e os programas de segurança de Chávez fracassaram. São 14 anos e, em todos, os índices de violência cresceram. Guerra civil por Chávez? Queremos paz, já vivemos num país violento.
Como serão as relações com os EUA se o senhor for eleito?
Esta é uma das grandes contradições do atual governo. Importamos insumos e parte da gasolina dos EUA e vendemos petróleo para eles todos os dias. E o governo se diz anti-imperialista, anti-ianque. É um duplo discurso. Minhas relações serão de respeito. Os EUA têm que revisar sua política para a América Latina e entender que ao Sul existe uma população importante. Serão como as com qualquer outro país.
E quanto às vendas de petróleo subsidiado para Cuba?
Não darei nada de presente a nenhum país. Necessitamos relações mais sinceras com Cuba. Recebemos médicos cubanos, mas se descontarmos também a assistência cubana que recebemos, sobram US$ 3 bilhões. Não podemos dar de presente o dinheiro para financiar projetos políticos. Isso é uma construção de Chávez, que quer que sua revolução transcenda a Venezuela. Os recursos serão investidos aqui.