Título: Bomba-relógio
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 28/09/2012, Mundo, p. 40

Netanyahu insiste em "linha vermelha" para impedir que Irã tenha arma nuclear em meses

Desenho. Netanyahu recorre à ilustração de uma bomba para demonstrar o que considera ser a evolução do programa nuclear iraniano, que o país alega ter fins pacíficos

NA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU

NOVA YORK Com uma caneta vermelha de ponta grossa, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, desenhou, no plenário da Assembleia Geral da ONU, a "linha vermelha" que não poderá ser cruzada pelo Irã no desenvolvimento de seu programa nuclear. Netanyahu, que até ontem tinha evitado um ultimato claro ao governo de Mahmoud Ahmadinejad, disse que faltam poucos meses, até a primavera ou o verão (no Hemisfério Norte) de 2013, para que o Irã tenha a quantidade suficiente de urânio enriquecido para fabricar uma bomba atômica. Em um gesto teatral, sacou a caneta e fez um risco vermelho na altura do detonador de uma bomba desenhada em um cartaz. "Etapa final", dizia o diagrama.

- A questão é saber em que estágio não poderemos mais impedir o Irã de obter a bomba - disse Netanyahu.

Israel, que cerca de mistério seu próprio programa atômico, que o faz ser presumivelmente a única potência do Oriente Médio com armas nucleares, acusa o Irã de ameaçar sua existência. As primeiras palavras de Netanyahu ontem foram uma resposta direta a Ahmadinejad:

- Há três mil anos, o rei Davi reinava sobre o Estado judeu em nossa eterna capital, Jerusalém. Digo isso a todos os que proclamam que o Estado judeu não tem raízes na nossa região e que desaparecerá em breve. O povo judeu superou todos os tiranos que tentaram nos destruir.

Em seu discurso na terça-feira, o presidente Barack Obama havia deixado claro que a existência de armas nucleares no Irã seria inaceitável, e Netanyahu se referiu a isso para fazer um agradecimento. O premier israelense afirmou, no entanto, que a via diplomática - na qual Obama persiste - fracassou, e as sanções econômicas tampouco surtiram o efeito desejado.

- Acredito que, confrontado com uma clara linha vermelha, o Irã vai recuar - afirmou.

Segundo um relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) concluído em agosto, o Irã possui 91,4 kg de urânio com 20% de pureza. Nesse percentual de pureza, o urânio pode ser usado para fins medicinais. Para uma bomba atômica, são necessários ao menos 25 kg de urânio com grau de enriquecimento de 90%.

ABBAS EXPRESSA A AMARGURA PALESTINA

Netanyahu disse que o programa nuclear iraniano precisa ser interrompido enquanto se encontra na fase de enriquecimento.

- A linha vermelha precisa ser traçada porque essas instalações de enriquecimento são as únicas que definitivamente podemos ver e podemos tomar como alvos com credibilidade - disse Netanyahu, numa ameça nada velada de bombardeio.

O governante israelense afirmou que as políticas de contenção que funcionaram durante a Guerra Fria não têm lugar hoje.

- Alguns acreditam que um Irã com armas nucleares pode ser contido como a União Soviética. Essa é uma aposta muito perigosa. Militantes da jihad se comportam de maneira muito diferente da de marxistas seculares. Não havia homens-bomba soviéticos, mas o Irã produz hordas deles - avaliou.

Netanyahu definiu o conflito atual como a "grande batalha entre o moderno e o medieval".

- As forças do medievalismo buscam um mundo onde as mulheres e as minorias são oprimidas, e onde não a vida, mas a morte é glorificada - afirmou o premier.

Menos de 20 minutos separaram a aparição de Netanyahu no púlpito da ONU da do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas. Com um tom mais amargo do que o do ano passado, quando apresentou o pedido de reconhecimento da Palestina como Estado-membro da ONU, Abbas acusou Israel de praticar racismo e apartheid, e criticou duramente a política de assentamentos judaicos em territórios palestinos. Ele disse que houve 535 ataques israelenses contra alvos palestinos este ano, e que Jerusalém vive sob um estado de sítio que sufoca a cidade.

- Falo em nome de um povo que tem raiva, um povo que sente que, enquanto lutamos por nosso direito à liberdade, defendemos a paz e respeitamos as leis internacionais, as recompensas continuam a ser ilogicamente dadas a Israel por uma política de guerra, colonialismo e violência - disse Abbas.

O líder palestino reconheceu o fracasso da proposta de elevação do status a Estado-membro da ONU, e anunciou o esperado: que este ano a ANP pedirá para ser aceita como um Estado observador, obtendo, assim, o mesmo status concedido ao Vaticano.

- Não tentamos deslegitimar o Estado de Israel, mas legitimar a Palestina - disse Abbas, sob aplausos do plenário.

Para esse passo, não é necessária votação no Conselho de Segurança, onde os EUA certamente exerceriam seu poder de veto. Contando com amplo apoio entre os 193 países-membros, a proposta deverá ser aprovada sem dificuldades - mas só depois das eleições presidenciais americanas, em 6 de novembro.