Título: Juro recua; calote, não
Autor: Valente, Gabriela; D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 27/09/2012, Economia, p. 25

Taxa média no financiamento ao consumidor cai a 35,6% ao ano, menor nível desde 1994

A cruzada da presidente Dilma Rousseff contra os juros altos está produzindo frutos. Em agosto, as taxas médias cobradas das pessoas físicas caíram 0,6 ponto percentual e chegaram a 35,6% ao ano, o menor nível desde o Plano Real, em 1994, quando o Banco Central (BC) começou a registrar os dados. Já a inadimplência continua resistente. No mês passado, ficou em 7,9% entre as pessoas físicas, mesmo patamar do mês anterior e do auge da crise de 2009. Entre as empresas (pessoas jurídicas), a inadimplência teve ligeira alta, passando de 4% em julho para 4,1% em agosto.

Em agosto, a inadimplência subiu de 5,9% para 6,0% no crédito pessoal, enquanto no cheque especial aumentou de 11,8% para 12,2%. Mas houve queda na inadimplência no crédito para aquisição de veículos, de 6% para 5,9%; e no crédito para aquisição de outros bens, de 14,2% para 13,7%.

- O aumento do endividamento é natural porque, no país, o crédito cresce mais que a renda - afirmou o chefe do departamento econômico do BC, Túlio Maciel, justificando que o brasileiro tem trocado o aluguel pela prestação da casa própria e por isso há um aumento da dívida. - Trocam consumo por investimento.

crédito sobe mais em bancos públicos

Já os juros do cheque especial recuaram de 151% ao ano em julho para 148,6% ao ano em agosto. No crédito pessoal, caíram de 39,9% para 39,4% no mesmo período e no crédito para veículos as taxas recuaram de 21% para 20,5% ao ano.

Em agosto, os bancos públicos e privados cobraram dos clientes pessoas físicas um spread bancário (diferença entre o custo do dinheiro para a instituição financeira e para o cliente) de 27,7 pontos percentuais. Houve queda de 0,7 ponto percentual ante julho.

- É fato que nunca tivemos juros tão baixos, mas ainda há muito espaço para cair, porque, enquanto no Brasil o spread é de quase 30 pontos percentuais, nos outros países, está entre dois e cinco pontos percentuais - disse o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Oliveira.

Enquanto isso, o crédito continua a crescer. Em agosto, atingiu R$ 2,2 trilhões, ou 51% do PIB. Ontem, o BC anunciou a revisão da projeção de crescimento do crédito nas instituições públicas de 21% para 24% no ano. Já a estimativa para os bancos privados nacionais ficou estacionada em 10% e a dos estrangeiros, em 13%. Ao todo, o BC aumentou a previsão de crescimento do crédito de 15% para 16% neste ano.

para analista, calote deve diminuir

Essa nova projeção já leva em consideração medidas adotadas pela própria autarquia, como a redução dos depósitos compulsórios - parte do dinheiro dos clientes que os bancos são obrigados a deixar no BC. Só isso deve colocar R$ 30 bilhões a mais em circulação e impulsionar o consumo e o endividamento das famílias.

- Essa diferença entre públicos e privados reflete a postura dos bancos: os públicos estão mais atuantes que os privados. É uma diferença de postura em relação à conjuntura - avaliou Maciel, que negou que um crescimento muito maior do crédito de instituições públicas seja perigoso, argumentando que a inadimplência desses bancos é mais baixa ante outras instituições.

Um nível de calote menor é a explicação do Banco Central para a capacidade maior de cortar os juros das instituições públicas. De acordo com a autoridade monetária, a Caixa Econômica Federal, por exemplo, cobra 1,85% ao mês pelo crédito pessoal. Já os clientes do HSBC pagam, em média, 4,46% ao mês, praticamente o mesmo custo dos correntistas do Bradesco. Na compra de veículos, a taxa média do Banco do Brasil é de 1,32% ao mês, enquanto no Santander é de 2,01% ao mês.

- Quando os privados sentirem mais segurança com o cenário lá fora, vão acelerar o crédito para recuperar o espaço perdido para as instituições públicas, porque a inadimplência não é mais um problema, se estabilizou e tende a cair. O ideal era que esse crescimento fosse equilibrado, mas isso não é necessariamente um problema - disse o vice-presidente da Anefac.

41% têm ou já tiveram "nome sujo"

Pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) divulgada ontem mostra que 41% dos consumidores brasileiros já estiveram, ou estão, nas listas de inadimplentes dos serviços de proteção ao crédito. A maioria de quem já esteve, ou está, com o "nome sujo" pertence às classes C e D, com renda familiar de até R$ 3.825. Desses, informa ainda a pesquisa, 13% ainda têm o nome em listas de inadimplentes, o que os impede de realizar compras a prazo.

O levantamento do SPC Brasil identificou que 64% das famílias com renda de até R$ 3.825 têm entre um e quatro cartões de crédito. Em faixas de renda superiores, a proporção sobe para 77%.

Segundo Nelson Barrizzelli, economista do SPC Brasil, tanto no caso dos cartões de crédito quanto no do cheque especial, se atentassem para os níveis excessivamente altos dos juros cobrados e evitassem seu "uso inadvertido", muitas famílias evitariam ingressar nos cadastros de inadimplentes.

A Serasa Experian identificou aumento de 1,7% na inadimplência das empresas em agosto na comparação com julho. O indicador considera os números de cheques sem fundos, títulos protestados e dívidas vencidas de empresas com bancos e instituições não bancárias. O avanço do calote no mês passado, contudo, foi menor que o verificado em julho, de 1,8%.

Para a Serasa Experian, o crescimento menor é resultado das condições econômicas mais favoráveis, como a queda dos juros e a recuperação gradual das vendas, além do recuo da inadimplência entre os consumidores.