Título: Economia Verde
Autor: Vieira, Agostinho
Fonte: O Globo, 27/09/2012, Economia, p. 28

O discurso e a prática

Como manda a tradição, esta semana um presidente brasileiro discursou na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. E, como já está virando tradição, o discurso mais uma vez foi melhor do que a prática. A presidente Dilma Rousseff falou sobre o "tsunami monetário", pediu que as nações "se deixassem iluminar pela chama dos ideais olímpicos" e lembrou que "o mundo pede, no lugar de armas, alimentos".

Não se esqueceu também de citar os compromissos fixados durante a Rio+20. Assim como o bordão "crescer, incluir, proteger e preservar". Segundo ela, foi a maior e mais participativa conferência sobre meio ambiente da história das Nações Unidas. E aí é que começa o problema. Ninguém esqueceu ainda o documento insosso aprovado no encontro e o esforço feito pela diplomacia brasileira para apresentar algum texto, mesmo que ele não dissesse nada realmente importante.

A presidente pensa diferente. No seu discurso de terça-feira, Dilma disse que a "Rio+20 projetou um poderoso facho de luz sobre o futuro que queremos", numa alusão ao nome do documento final. Decidir que nada será decidido e jogar para 2015 todas as discussões sobre o futuro do planeta não é exatamente um facho de luz, não é sequer uma faísca. Mas se essa é a opinião da presidente, vamos respeitá-la.

O discurso se complica quando ela resolve destacar as ações implantadas pelo Brasil: as metas voluntárias de redução das emissões de gases de efeito estufa e o "combate sem trégua" ao desmatamento da Amazônia. Exatamente na mesma semana em que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou um aumento de 220% na derrubada de árvores na região. Só no mês de agosto, foram desmatados 522 km2 de florestas, principalmente nos estados do Mato Grosso e do Pará.

Estes novos índices quebram uma boa série de redução do desmatamento que vinha aproximando o país da meta de reduzir 80% até 2020. As principais causas do crescimento foram as obras da BR-163, rodovia que liga Cuiabá a Santarém, e a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ambos, desmatamentos legais.

E por falar em hidrelétricas, enquanto Dilma discursava na ONU, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) divulgava o Plano Decenal de Energia, para o período 2012-2021. Estão previstas 34 novas usinas, que vão alagar 6.456 quilômetros quadrados, área equivalente ao território de dez capitais: São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Recife e Maceió.

Para completar a semana de combate sem trégua ao desmatamento, o Congresso concluiu a votação do Código Florestal. O novo texto beneficia médios e grandes proprietários, reduz a proteção de rios e nascentes e permite que terras desmatadas ilegalmente não tenham a vegetação original reposta completamente. A lei ainda precisa ser sancionada pela presidente. Uma boa oportunidade para fazer valer o que disse nas Nações Unidas e o que assinou na Rio+20.

Outra prova de que falar é fácil e fazer é muito difícil são as tais metas voluntárias do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A meta foi apresentada em 2009 e não se sabe até agora a que distância o país está de cumprir ou não o que prometeu. Temos que reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas para 2020. Em 2005, único dado oficial disponível, o Brasil emitia 2,1 bilhões de toneladas de CO2. Se nada fosse feito, em 2020, estaríamos emitindo algo em torno de 3,2 bilhões de toneladas. Resumindo: se a meta for cumprida, teremos em 2020 índices semelhantes aos que tínhamos em 2005.

O desmatamento responde ou respondia por mais de 60% das nossas emissões. Se os dados de agosto do Inpe forem realmente um ponto fora da curva, essa contribuição deve cair. No entanto, as novas hidrelétricas, as estradas e o Código Florestal tornam essa aposta cada vez mais arriscada. O mesmo acontece com os poços de petróleo do pré-sal, que começam a receber as primeiras licenças ambientais. Eles vão entrar em operação sem que fique claro o tamanho dos riscos de acidentes, o volume de emissões envolvido e os cuidados tomados para que nem uma coisa nem outra aconteçam.

Os discursos, mais ou menos ufanistas, fazem parte do jogo político. A prática também. Já a credibilidade depende da proximidade de um com o outro. Não há dúvida de que o Brasil avançou muito em vários setores, inclusive no ambiental. Mas daí a acreditar que estamos trabalhando para crescer, incluir, proteger e preservar é outra história. Temos muito que fazer ainda para transformar a expressão em realidade.