Título: Velhas assombrações
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2009, Política, p. 2

O governo federal ficou surpreso com a lista de obras que tiveram a sua paralisação recomendada pelo TCU, apesar de algumas apresentarem problemas graves há pelo menos cinco anos

Paulo Bernardo contestou o TCU: Indícios? O que são indícios?

O governo federal reagiu como se estivesse surpreso e chocado com a relação de 41 obras que tiveram a sua paralisação recomendada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na semana passada. Mas várias delas frequentam há muito tempo essas listas. Pelo menos seis vêm sendo incluídas na relação de obras com irregularidades graves há nove anos. Outras sete sofrem corte de recursos orçamentários há cinco, seis, sete anos, porque as suas falhas e ilegalidades não são sanadas pelas empreiteiras responsáveis, nem pelo governo, apesar das determinações detalhadas feitas pelo tribunal a cada ano. Juntas, essas 13 obras têm orçamento de R$ 830 milhões.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que o TCU apresenta apenas ¿indícios¿. E fez uma pergunta: ¿Indícios? O que são indícios? Apontar superfaturamento é uma coisa. Levantar suspeitas, dizer que tem indícios e ficar seis meses sem resolver o problema é completamente diferente¿. Apesar do questionamento do ministro, não é atribuição do tribunal resolver o problema. Além disso, das 13 obras que estão há mais tempo paralisadas, 11 apresentam superfaturamento ou sobrepreço. No caso do superfaturamento, o pagamento já foi feito, o que torna o prejuízo real, concreto, mensurável.

Entre os mais antigos integrantes da lista estão três obras da empreiteira Gautama, empresa que liderava um grupo desbaratado pela Operação Navalha, da Polícia Federal. São a Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins (AL), a Adutora do Italuís (MA) e a Adutora Serra da Batateira (BA). Em setembro de 2006, o Correio revelou que a Gautama era responsável por nove obras que estavam paralisadas, no valor total de R$ 485 milhões. Sete meses mais tarde, a Operação Navalha confirmou cada um dos casos citados. A construtora OAS também teve contratos em três desses empreendimentos.

Anulados As obras de Italuís, orçadas em R$ 300 milhões, estão paralisadas desde 2002. Os contratos celebrados com a Gautama (R$ 155 milhões) e com a OAS (R$ 145 milhões) já foram anulados, mas o TCU determinou que a Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão (Caema), responsável pelo empreendimento, resguarde a União de eventuais danos decorrentes de pagamentos feitos, já que foi apontado sobrepreço nas planilhas contratuais. O tribunal também determinou que a Caema tome posse dos materiais e equipamentos já executados, para proteger e conservar esses bens.

Na Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, um projeto de R$ 53 milhões, o TCU encontrou um festival de fraudes, como superfaturamento, restrição ao caráter competitivo da licitação, alterações no projeto e descumprimento de deliberações do tribunal. O contrato é de 1997. A Adutora Serra da Batareira deveria abastecer um perímetro de irrigação de 2,9 mil hectares em Sobradinho (BA). No contrato de 1999, no valor de R$ 67 milhões, foram encontradas falhas como superfaturamento, irregularidades graves na licitação e desvio de finalidade.

As obras na BR-230, em Tocantins, na região do Bico do Papagaio, fazem parte de um trecho da Transamazônica. O empreendimento foi licitado em 1995, tendo contrato fechado no ano seguinte. Após várias paralisações e alterações no traçado, foi assinado novo contrato, em 2000, no valor de R$ 36 milhões. A obra foi fisicamente concluída em 2002, mas o tribunal determinou o ressarcimento de R$ 13 milhões por causa de superfaturamento nos contratos entre 1996 e 2000.

A obra de duplicação e restauração da pista na BR-262, no acesso a Vitória (ES), no valor de R$ 10 milhões, teve início em 1998. Tem execução na ordem de 94% do valor contratado, mas encontra-se paralisada desde 2001. O TCU apontou sobrepreço, superfaturamento e pagamentos irregulares no contrato. Em 2008, o tribunal condenou a empresa responsável e os gestores ao pagamento do débito e de multas. Determinou, também, a continuidade da execução do contrato, com preços readequados, mas não houve interesse da empresa. Foi recomendada, então, a rescisão do contrato, o que ainda não ocorreu.

Abandonadas Algumas obras permaneceram durante anos na ¿lista suja¿ do TCU. Acabaram sendo excluídas dessa relação, mas não porque as irregularidades tenham sido sanadas. Em alguns casos, os contratos foram extintos, porque não interessavam mais às empreiteiras ou ao poder público. Em outros, a retomada seria muito onerosa. Assim aconteceu com o Hospital Terciário de Natal e a Barragem Oiticica. A construção do hospital iniciou em1990. Após quase duas décadas, o governo do Rio Grande do Norte perdeu o interesse no empreendimento. A barragem é a obra abandonada mais antiga do país, com 56 anos. O último contrato foi extinto há apenas dois anos. Restou de útil apenas a vila de operários, construída em 1953.