Título: Ah, se meu Fiat Elba falasse
Autor: Leali, Francisco ; Sassine, Vinicius
Fonte: O Globo, 29/09/2012, País, p. 3
Quando surgiu nome de dono do cheque que pagou por carro de Collor, sua situação se complicou
O Fiat Elba. Em frente à Casa da Dinda, o carro que serviria para mostrar a ligação do então presidente Fernando Collor com o esquema de PC Farias
A PROVA MAIOR
Final da tarde da quarta-feira, 22 de julho de 1992. Eu estava voltando para a redação, um pouco desanimado, pois as coisas estavam ficando difíceis para mim naquela CPI do PC. Eu já era figura carimbada pela concorrência e por todos os membros da CPI. Sentia-me mesmo, sem exagero, um perseguido político, por conta dos furos que O GLOBO dava. Resolvi, então, passar na tabacaria da barbearia do Senado para comprar cigarro, quando o presente caiu do céu.
Um amigo meu que trabalhava no Banco Central estava no balcão, aguardando seu pedido, quando eu me aproximei dele, confesso que sem muita vontade de conversar. É que todos queriam saber as últimas novidades da CPI e eu não tinha nenhuma para contar.
Não deu outra.
- E aí, muito trabalho na CPI? - perguntou-me.
Respondi, com cara de tédio:
- Acho que desse mato não sai mais coelho.
- Como assim? Agora que todos sabem que o Fiat Elba do Collor foi pago com o cheque do fantasma José Carlos Bonfim, não há como mais negar que o presidente estava fora do esquema do PC.
Nesses casos, quando alguém me joga um furo na mão sem querer, o melhor é fingir que não ouviu direito e mudar de assunto, rapidamente. Se você se mostra interessado, o interlocutor percebe o que fez e vai te implorar de joelhos para você não publicar. No caso, era mais do que necessário disfarçar, pois bastava o nome. O país todo estava esperando a revelação do dono do cheque administrativo que pagou o Fiat Elba.
Corri para a redação. O chefe da sucursal era o Ali Kamel. Contei-lhe o ocorrido. Ali era mais do que chefe, um repórter atento que vibrava com a notícia. Eu chegava à redação com calhamaços de papéis com cópias de declarações de Impostos de Renda, extratos bancários e sigilos telefônicos, e ele pedia que toda a sucursal me ajudasse. Era muita matéria para eu escrever. O Ali me ajudava. Reescrevia minhas matérias e fazia outras também com base nas informações que eu lhe passava da rua. No dia seguinte, um monte de matérias assinadas com o meu nome.
Não sei se comprometo o Ali, revelando essa sua cumplicidade jornalística comigo, mas a verdade é que eu me sentia muito envaidecido por isso. Meus colegas de outras redações invejavam mais essa parceria do que os furos que dávamos. É que, no caso deles, alguns chefes faziam diferente: roubavam as matérias dos repórteres e assinavam como artigos, colunas e até matérias mesmo. Não no meu caso; a exemplo do PC, eu tinha também o meu fantasma, mas era um fantasminha camarada.
O Ali, então, comunicou ao Rio, cravando que tínhamos já o nome do pagador do Fiat Elba. Escrevemos juntos a matéria, mas, a exemplo das outras, só eu assinei. Quando eu estava me preparando para ir embora, o Ali teve uma crise natural de insegurança, que a empolgação inicial pelo furo acobertara:
- Moreninho, e se sua fonte se confundiu e a assinatura não é a do Bonfim?
Um frio percorreu minha espinha dorsal. O fantasma existia. Mas não era o único. PC tinha vários. Mas aquele específico tinha também corpo. Por denúncia do Sebastião Curió, que tinha recebido um cheque com a mesma assinatura, na campanha eleitoral de 90, Bonfim se incorporava no corpo do piloto Jorge Bandeira. Bandeira, por meio do seu advogado Nabor Bulhões, negava e ameaçava processar Curió. Curió não estava nem aí e desafiava Bonfim a sair daquele corpo que não lhe pertencia.
Por sugestão do Ali, chamei a minha nova fonte para um café, naquela mesma noite. Fui logo dizendo:
- Quando você me disse que o cheque era do Bonfim, eu fingi que já sabia, mas para não te assustar. Aquilo foi ouro puro. Levei para o jornal e será manchete amanhã. Vamos sacudir o país.
A minha fonte abaixou a cabeça e caiu num choro compulsivo. Fiquei sem ação. Ela, a pessoa, levantou-se e avisou:
- Vou pedir demissão hoje mesmo. Traí a confiança do meu chefe e dos meus companheiros. Entregamos o cheque em envelope lacrado e assim foi guardado no cofre da CPI. Amanhã, todo mundo vai saber que quem vazou foi o Banco Central.
E dá-lhe choro! A mim não foi difícil dar uma de Carminha. Chorei junto, mas de alegria. Só pensava no dia seguinte.
Voltei ao Ali Kamel:
- Ganhamos!
Perguntou-me:
- A fonte confirmou?
E eu:
- Não! Chorou!