Título: Para especialista, trauma dos escândalos fortalece democracia
Autor: Leali, Francisco ; Sassine, Vinicius
Fonte: O Globo, 29/09/2012, País, p. 3
Do impeachment de Collor ao julgamento do mensalão, instituições se aperfeiçoaram
SÃO PAULO Dois escândalos de corrupção de natureza diferente, com personagens distintos e em períodos díspares da História do Brasil estão ligados por ironias, coincidências (Roberto Jefferson é a principal delas) e pelo fato de, apesar de todo o trauma, contribuírem para o fortalecimento da democracia e das instituições. Além disso, na opinião de cientistas políticos, o impeachment de Fernando Collor, há exatos 20 anos, e o mensalão envolvendo o PT de Lula, atualmente em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, servem para discutir os problemas ainda enfrentados pelo sistema político brasileiro.
Para o ex-professor da USP Matthew Taylor, que atualmente leciona na American University, em Washington, apesar de traumáticos, os escândalos muitas vezes são salutares por gerarem uma pressão a favor da reforma. Após o impeachment de Collor, lembra, o governo Itamar Franco lançou várias iniciativas, seguidas pelos governos de Fernando Henrique e de Lula: código de conduta para servidores, novos processos licitatórios e criação de uma secretaria de controle interno que acabou sendo incorporada à CGU (Controladoria-Geral da União).
- A atual possibilidade de os políticos serem julgados pelo Supremo sem a necessidade de autorização do Congresso, como ocorria antes, é uma conquista importante. Acho que o julgamento do mensalão dificilmente teria acontecido sem essas experiências traumáticas anteriores, os ganhos institucionais que trouxeram, e a mudança na perspectiva do sistema político que geraram - avalia o especialista, coautor de "Corruption and Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability" (Corrupção e Democracia no Brasil: A Luta pela Responsabilidade).
Nos dois episódios, houve delações originárias de conflitos de interesse. Pedro Collor de Mello, o delator de 1992, tinha motivos familiares. Roberto Jefferson, políticos. As acusações dos dois levaram a homens pelos quais o dinheiro passava: no caso de Collor, PC Farias; no mensalão, Marcos Valério.
Jefferson atuou nos dois casos, de forma distinta. Em 1992, o deputado liderou a "tropa de choque" para defender Collor; em 2005, denunciou o esquema, "provavelmente apostando numa redenção política", avalia David Fleischer, da UnB. Hoje cassado mas ainda na presidência do PTB - "outra distorção da política local", avalia o cientista -, ele pode ser condenado à prisão por participar do esquema que denunciou.
- O feitiço virou contra o feiticeiro. Mas acho que a participação dele nos dois escândalos foi bem diferente, poderia ser ele ou qualquer um dos muitos políticos fisiológicos que existem no Brasil - afirma Fleischer.
Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias", Carlos Melo acha que o "fator comum Roberto Jefferson" evidencia muito bem os "problemas do presidencialismo de coalizão".
- Ele apoiou o Collor há 20 anos. Depois, traiu o José Dirceu, após participar de todo o esquema, e ainda achou que não seria punido. Nossas instituições melhoraram ao julgar políticos como ele - afirma.
Os especialistas concordam que a democracia brasileira do mensalão opera em frequências bem diferentes das do impeachment de Collor. Isso explicaria a ausência da população nas ruas. São muitos os motivos, segundo Melo. O primeiro é que "Lula nunca foi Collor".
- Collor não caiu apenas por causa da corrupção, ele comprou muitos conflitos simultaneamente: com a classe média, com a mídia, com os artistas, com os militares, com a indústria. Além disso, governava sem maioria. Contra o PT, a oposição teve muito mais dificuldade, e, aparentemente, não quis mesmo mobilizar a rua - afirma Melo.
Fleischer salienta a natureza em si dos escândalos:
- Lula nunca foi envolvido diretamente. Não houve a sensação, ao contrário de com Collor e PC, de que os políticos estivessem enriquecendo às custas do povo. A situação econômica também é muito melhor agora e, com dinheiro, o povo fica menos reclamão.