Título: França cede à austeridade
Autor: Berlick, Deborah
Fonte: O Globo, 29/09/2012, Economia, p. 31
Governo taxa ricaços e corta gastos em pacote de ¬ 30 bi, maior ajuste fiscal em 30 anos
TURBULÊNCIA GLOBAL
GENEBRA Numa semana marcada por dúvidas sobre o rumo da Espanha e violentos protestos na Grécia, a França, segunda maior economia da zona do euro e quinta potência econômica mundial, anunciou ontem um pacote que taxa ricos e empresas, além de reduzir as despesas do Estado. Trata-se do maior corte do déficit público da França em 30 anos. O governo admitiu que será um esforço "sem precedentes" para gerar ¬ 30 bilhões em aumento de impostos e reduções de gastos. Para o economista Francesco Saraceno, do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas (OFCE), com essas medidas o presidente François Hollande, um socialista, afastou-se de uma promessa de campanha: a de que lideraria o movimento na Europa contra a austeridade alemã, dando prioridade ao crescimento econômico no continente.
- Hollande está indo na direção oposta: a da austeridade da Alemanha. - afirmou Saraceno. - Pensei que ele mudaria o jogo na Europa, que formaria uma coalizão de países para mudar as políticas do continente.
Ricos preferem o "exílio fiscal"
Há o temor ainda de que, ao reduzir gastos públicos e aumentar tributação, o pacote acabe dificultando a retomada do crescimento econômico no país.
As medidas, apresentadas ao Conselho de Ministros e que irão ao Parlamento em outubro, visam a reduzir o déficit dos atuais 4,5% para 3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) em 2013, como exige a União Europeia (UE). E não para aí: o governo quer reduzir o déficit para 0,3% em 2017.
- Assumo o compromisso de que não teremos nem um euro a mais (de dívida) no fim de meu mandato - afirmou Hollande.
Na França, são os ricos e a classe média alta que vão pagar boa parte da conta de 2013. Quem ganha mais de ¬ 1 milhão por ano terá de pagar um imposto de 75% sobre o montante que ultrapassar esse teto. Essa medida fora prometida por Hollande durante sua campanha, e a perspectiva de sua implantação já havia provocado protestos - e a ameaça de mudança - de vários ricaços. O caso mais notório foi o do presidente do grupo de luxo LVMH, Bernard Arnault, que no início deste mês pediu a nacionalidade belga. Após a repercussão negativa, ele disse que continuaria morando na França e pagando seus impostos.
A revista "Le Nouvel Observateur" afirmou em julho que diversos famosos teriam deixado o país por causa dos impostos. Entre eles, os atores Alain Delon e Emmanuelle Béart, o cantor Charles Aznavour e o jogador de futebol Franck Ribéry. Já o ex-tenista Yannick Noah fez o inverso: declarou apoio a Hollande e trocou a Suíça pela França
O imposto de 75%, segundo o governo, vai atingir 1.500 contribuintes e render ¬ 210 milhões por ano. Quem ganha acima de ¬ 150 mil anuais será taxado em 45%. Antes, a maior alíquota era de 41%, para renda superior a ¬ 70.830. Para as empresas, as deduções financeiras serão limitadas a 85%.
O governo ainda vai cortar ¬ 10 bilhões em despesas públicas e ¬ 2,5 bilhões da Previdência. Evitando usar a palavra "austeridade", o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault chamou o projeto de "orçamento de combate pela justiça social para o crescimento".
- Noventa por cento dos franceses que pagam imposto, se não tiverem mudança em sua renda, não vão pagar mais - afirmou.
"Austeridade não leva a crescimento"
Paris quis mostrar aos mercados que está longe do caminho da Espanha. Mas, para Saraceno, Hollande exagerou na cautela, embora reconheça que a França "nunca vai ser a Espanha" e que o pacote não é drástico a ponto de levar a uma recessão:
- Os mercados querem crescimento. E a austeridade não está levando ao crescimento. A zona do euro está se contraindo. Estamos em situação quase tão ruim quanto a do pico da crise.