Título: Gestão temerária
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2009, Mundo, p. 14

A política externa brasileira, nos últimos sete anos, foi bastante coerente. Baseada em uma visão de mundo ultrapassada, foi influenciada desde o início pelas prioridades do PT. Partidarizada, colocou os interesses do governo acima dos do Estado. Deixou de ser consensual. O presidente Lula disse que sua política externa se diferencia de todas as anteriores porque dispõe de dois canais de comunicação: um oficial, representado pelo Itamaraty, que interage com outros países em nível de governo; e outro oficioso, exercido pela Assessoria Internacional da Presidência, que se articula com os partidos de esquerda nos países de nossa região. A formulação de políticas voltadas à integração regional e ao relacionamento com vizinhos passou a ser influenciada por iniciativas defendidas pelo PT.

Nos últimos anos, a América do Sul passou por um rápido processo de transformação política, econômica e social, com a emergência de movimentos étnicos e sociais que haviam sido alijados do poder. Algumas dessas lideranças, como na Venezuela, na Bolívia e no Equador, estão buscando refundar seus Estados e propõem nova agenda, não só para a integração regional, como para as relações bilaterais com os EUA, o Brasil e demais países.

O Brasil não soube ler o significado dessas transformações. Em consequência, adotou uma atitude reativa. O que se viu foi o Brasil ser confrontado por decisões tomadas por esses países contrárias a nossos interesses. Em vista das afinidades do PT com os partidos no poder nesses países e da decisão do governo de atuar de maneira solidária ¿ no que se transformou na diplomacia da generosidade ¿, repetiram-se exemplos de resultados negativos para nossos interesses. A expropriação de refinarias da Petrobras na Bolívia, a expulsão de empresas brasileiras no Equador, a demanda de revisão do Tratado de Itaipu pelo Paraguai e a imposição pela Venezuela de uma agenda confrontacionista foram tratadas de modo tíbio, quando não aceitas de maneira conformada pelo Itamaraty.

O fecho de ouro dessa ação diplomática foi o lamentável episódio de Honduras. A decisão de acompanhar a aventura venezuelana de levar de volta o ex-presidente Zelaya e dar-lhe abrigo na embaixada em Tegucigalpa foi um equívoco. O desenrolar dos acontecimentos está deixando o Brasil em uma posição incômoda e vulnerável como nunca antes. Ao não restringir a atividade política de Zelaya na embaixada, o Brasil está contribuindo para desvirtuar o instituto do asilo político e quebrou um dos princípios de nossa política externa: o da não intervenção. No auge da crise de Honduras, a notícia da filiação do ministro Celso Amorim ao PT fecha o círculo e confirma a partidarização das ações do Itamaraty.

» Rubens Barbosa é ex-embaixador do Brasil no Reino Unido (1994-1999) e nos Estados Unidos (1999-2004)