Título: Honduras em transe
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2009, Mundo, p. 14

Os fatos, na política interna quanto na externa, são fugazes. O conceito de longo alcance é o que chega ao povo, aos governados e aos novos atores da tediosa arte da política, como a definiu Shakespeare. Honduras em transe é o fato da vez. O que ficará para a história? Qual o impacto de longo prazo para o Brasil ante seu envolvimento direto na crise do pequeno país centro-americano?

Proponho duas dimensões para o entendimento da matéria. A primeira é a hemisférica, para além dos espetáculos fáticos diários, e que emana da elevação gradual da posição do Brasil no sistema internacional e regional. A tendência ascensional do Brasil é nota de qualquer estudo acadêmico nos grandes centros estratégicos do mundo. Não é invenção de Lula nem de seus seguidores. É conquista de todos, dos empresários, do Estado e do povo brasileiro. É obra de vários governos.

A política externa, como a interna, não aceita vácuo, como celebram os manuais de política desde Maquiavel. O Brasil vem explorando, com bônus e ônus, a elevação do seu estatuto internacional para mover-se em todos os tabuleiros da política internacional em curso. A América Central não é exceção, como não é a região caribenha, nas quais, diante da perda de peso relativo do México e dos Estados Unidos, o Brasil entrou. Tocam empreendimentos e negócios lá, como na América do Sul, empreiteiras brasileiras. O comércio aumentou. Os investimentos não são irrisórios. Não dá para fazer política internacional ascensional apenas com beijos e abraços. O Brasil pagará um pequeno preço em Honduras, mas ganhará seu lugar no tabuleiro. É o que interessa em médio e longo prazo.

Em segundo lugar, há uma dimensão sistêmica, advinda das transformações das relações internacionais do início do século 21. O fim da Guerra Fria e a perda gradual tanto do poder hegemônico dos Estados Unidos quanto dos países centrais da Europa, além da elevação da Ásia, abriram espaço que o Brasil vem preenchendo adequadamente. A acusação frequente ao Brasil, pelos negociadores das potências tradicionais, é que o país não quer assumir risco, mas apenas obter, de forma egoísta, os dividendos políticos e econômicos das guerras dos outros.

A mudança de paradigma operacional na política externa do Brasil, da participação pela prudência, em favor do ativismo diplomático, será interessante para os analistas do futuro. Honduras é também uma prova, difícil é certo, mas interessante para observar se o novo padrão tende a florescer, ou se será apenas retórica de início do fim da diplomacia de Amorim. O que ficará para a história? Qual conceito perdurará junto ao povo?

» José Flávio Sombra Saraiva é professor titular em relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB)