Título: Em busca de voz
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2009, Mundo, p. 14

Analistas sustentam que o Itamaraty tem cometido mais acertos do que erros rumo a uma maior representatividade nas instâncias decisórias.

A diplomacia brasileira tem dois momentos: antes e depois de 1902. Se estivesse vivo hoje, o Barão do Rio Branco talvez se orgulhasse da política externa capitaneada pelo Itamaraty, mesmo após a recente trapalhada, ao aceitar hospedar um presidente que tentou de artimanhas para se perpetuar no poder. O episódio envolvendo Manuel Zelaya e a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa obteve respaldo da comunidade internacional, que até elogiou a atitude brasileira e não tratou-a como interferência em assuntos internos de outro Estado. Ao contrário, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, obteve a chancela de organizações multilaterais ¿ como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) ¿ e de países como os Estados Unidos e o Reino Unido. As atuais gestões diplomáticas são tão distintas das anteriores que marcam uma espécie de ponto de ruptura e, por isso, despertam críticas ferrenhas e defesas efusivas.

Para especialistas consultados pelo Correio, o incidente em Honduras apenas pontua os esforços do Itamaraty em galgar maior representantividade nas instâncias decisórias internacionais. Rafael Duarte Villa, professor do Instituto de Relações Internacionais e do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), reconhece que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem cometido enganos na condução de sua política externa. Ele aponta, como exemplos, as derrotas do país em eleições para cargos diretores na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e na Unesco ¿ quando o diretor adjunto Marcio Barbosa foi preterido pela búlgura Irina Bokova. Em termos gerais, no entanto,

Villa vê mais acertos do que erros. Segundo ele, o Itamaraty adotou uma estratégia correta para a América do Sul, o que tornou o subcontinente um dos principais sócios comerciais do Brasil. Mas o protagonismo não se resume ao âmbito regional. O professor da USP cita as alianças firmadas com o Hemisfério Sul ¿ bloco formado por Índia, Brasil e África do Sul (Ibas) ¿ ou com países intermediários, como China, Índia e Rússia (os Bric). ¿O Brasil conseguiu a elevação do G-20 a um escalão de primeiro nível. E a eleição do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos (de 2016), em que o presidente Lula tem muito mérito, parecem confirmar o excelente momento em que vive o país e sua política externa¿, admitiu Villa.

O brasilianista norte-americano Thomas Skidmore, 78 anos, vê como problemático o fato de o Brasil pender para o Equador, de Rafael Correa, e a Venezuela, de Hugo Chávez. ¿Lula busca moderação, mas ao mesmo tempo, ajuda os esquerdistas em Honduras. O Brasil tem feito essa opção na América Latina, no momento em que a própria esquerda se assenta no subcontinente¿, opinou. ¿O momento atual é delicado para a diplomacia brasileira¿, acrescentou. O historiador considerou que o Brasil tem agido com muita habilidade. ¿Lula não reagiu violentamente na agressão cometida pelo Equador, o que mostra que o Brasil é um pedaço de estabilidade¿, comparou.

Condições No geral, Skidmore considerou a política externa nacional ¿muito positiva¿. De acordo com ele, o país anseia por maior representatividade nos processos decisórios internacionais desde a Liga das Nações, quando foi sabotado pela Argentina, na década de 1920. ¿O Brasil é um paradoxo: quanto mais poderoso, mais difícil se torna ser um centro diplomático¿, observou. E a demanda por um maior protagonismo, na opinião de Rafael Villa, é fomentada por três condições: a economia em ascensão, a diplomacia de ¿muita qualidade¿ e a figura de Lula, que emerge como um estadista respeitado no mundo. ¿A estratégia (de buscar mais voz) começa a dar seus primeiros resultados, como mostra a transformação do G-20 no principal fórum de discussão econômica mundial ¿ papel antes desempenhado pelo G-8¿, reforçou.

O venezuelano Miguel Tinker-Salas, especialista em história e política da América Latina pelo Pomona College (na Califórnia), concorda que a diplomacia brasileira tem aumentado, ¿de forma dramática¿, nos últimos oito anos, o protagonismo internacional do país. ¿Desde sua participação em instâncias regionais na América Latina, incluindo o Unasul, o Grupo do Rio, o Mercosul, até o envolvimento em instâncias regionais como as Nações Unidas, o G-20, e sua projeção na África e na Ásia, o país tem logrado esse papel¿, admitiu. Segundo ele, o país também se mostra fator decisivo em futuras configurações internacionais. ¿Não é coincidência que, quando se fala em nova configuração político-econômica, sempre se destaca o papel do Brasil.¿

Símbolo nacional José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, consolidou o prestígio do Brasil no continente e resolveu graves imbróglios, de forma pacífica. Cônsul-Geral do Brasil, em Liverpool (Reino Unido), foi ministro das Relações Exteriores de 1902 até sua morte, em 1912. Lançou as bases do pan-americanismo e iniciou a estreita relação com a Argentina e o Chile. Jornalista e escritor, foi o fundador nos EUA da primeira missão diplomática brasileira com status de embaixada.

O Brasil é um paradoxo: quanto mais poderoso, mais difícil se torna (ele) ser um centro diplomático