Título: Gás à revolução chavista
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 09/10/2012, Mundo, p. 35

Triunfo do presidente lança temores de radicalização; Capriles já estuda tática regional

Reeleito na Venezuela pela terceira vez consecutiva com 55,1% (contabilizados 97,6% dos votos pelo Conselho Nacional Eleitoral), o presidente Hugo Chávez surpreendeu. E telefonou ao adversário derrotado nas urnas, Henrique Capriles, que obteve 44,2%. O diálogo entre rivais políticos não é algo comum na Venezuela chavista, e a oposição não acredita numa tentativa de reconciliação. No comitê de Capriles, no bairro de Bello Monte, o ex-candidato e governador do estado de Miranda (cargo que reassumiu ontem) e seus principais assessores não deram importância ao telefonema - começaram a trabalhar numa nova campanha crucial visando às eleições regionais, em dezembro. A sensação entre analistas e dirigentes da oposição é a de que o triunfo eleitoral levará o chavismo a radicalizar ainda mais o processo revolucionário, tornando mais profundas as divisões políticas e sociais no país.

As primeiras declarações de funcionários do Executivo confirmaram o temor. O vice-presidente, Elías Jaua, que poderia ser candidato a governador de Miranda, afirmou que a intenção do Palácio Miraflores é acelerar o processo de expropriações de empresas privadas "para fortalecer o controle de atividades estratégicas de nossa economia como a energia, a alimentação e os insumos para a construção".

- Não esperamos nada desse governo, porque o modelo revolucionário parte da exclusão dos outros - disse ao GLOBO Armando Briquet, chefe de campanha, amigo de infância e braço-direito de Capriles. - Esse governo persegue o esforço privado, quem não está com ele é de direita ou de alguma força interplanetária. DILMA COLOCA O BRASIL "À DISPOSIÇÃO"

A equipe de Briquet ainda tentava entender por que um candidato que parecia ter grandes chances de vencer as eleições terminou perdendo em 22 dos 24 estados do país. Apesar de ter conquistado quase 6,5 milhões de votos, recorde de um opositor desde a revolução bolivariana, Capriles só derrotou o chavismo em Mérida e Táchira (atualmente a oposição governa sete estados venezuelanos). Até ontem, no estado de Miranda o presidente estava na frente por cerca de 2.990 votos. Capriles passou o dia trancado numa sala, analisando os números do primeiro revés eleitoral de sua carreira política (o candidato foi deputado, prefeito e governador).

Perguntado sobre o resultado que ninguém esperava, Briquet foi direto.

- As pessoas acreditaram nas mentiras do governo e preferiram ficar com o pouco que têm. Foi uma batalha desigual, o presidente teve 47 horas de cadeias durante a campanha e nós três minutos de TV por dia - assegurou o homem considerado a sombra do líder opositor.

Não está claro, ainda, se Capriles será candidato à reeleição em Miranda. Mas a equipe já decidiu que o atual governador fará campanha por todos os candidatos regionais.

- Perdemos a eleição, mas não a unidade. Essa é nossa maior fortaleza - enfatizou Briquet. - Mais de seis milhões de pessoas votaram por um projeto, por um líder que entusiasmou a sociedade, e não apenas contra o chavismo.

Do lado dos vencedores, houve pouca autocrítica diante da votação massiva na oposição. Um dos poucos a refletir foi o embaixador venezuelano na Organização de Estados Americanos (OEA) e ex-chanceler, Roy Chaderton. Em entrevista à estatal Venezuelana de Televisão (VTV), Chaderton admitiu que o governo deve "combater a burocracia corrupta, que existe e deve ser punida porque precisa dar serviço a todos os venezuelanos que precisem da ajuda do Estado". Ele também lembrou que o próprio Chávez já antecipou a criação de um Ministério do Monitoramento, para "garantir que os programas sociais sejam aplicados corretamente".

Governo e oposição já estão pensando nas próximas eleições. No caso dos opositores, o essencial é manter a união, avalia Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela (UCV).

- Capriles teve a seu favor a união e a mudança de estilo da campanha, mas teria precisado de mais tempo - apontou Romero.

Para o pesquisador a oposição precisa, ainda, obter mais recursos e respaldo internacional para competir contra a máquina do Estado:

- A comunidade internacional não ajudou Capriles; apesar dos abusos cometidos pelo chavismo ninguém quis se meter na campanha venezuelana - avaliou.

Um outro telefonema, do Brasil, ocupou o líder bolivariano. A presidente Dilma Rousseff telefonou ao colega Hugo Chávez para cumprimentá-lo pela vitória.

A conversa durou cerca de 15 minutos. A presidente elogiou o processo de votação, "marcado por eleições tranquilas e alto nível de comparecimento" às urnas. E colocou o Brasil à disposição de Chávez para colaborar na construção de "uma América do Sul mais justa e igualitária mediante o fortalecimento dos mecanismos bilaterais e dos grupos de integração".