Título: Ficha Limpa ameaça 3 mil
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 06/10/2012, O País, p. 3
TSE só conseguiu julgar 5% dos casos, e candidatos vão às urnas com recursos pendentes
Na primeira eleição com vigência plena da Lei da Ficha Limpa, cerca de três mil candidatos disputarão mandatos de prefeito e vereador amanhã com os registros de candidatura pendentes. Os que forem eleitos nesta condição poderão, em julgamento posterior, ser barrados pela Justiça Eleitoral e não tomar posse. Até a noite de ontem, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contava com 6.533 recursos contra candidaturas, sendo 2.835 relativos a candidatos com problemas previstos na Lei da Ficha Limpa. Na véspera da eleição, apenas 155 recursos, ou 5,1% do total, foram julgados em definitivo pelo plenário do TSE. Outros 678 foram julgados, mas estão pendentes por recursos contra a decisão. A estimativa é que outros mil recursos - boa parte deles relativa à lei - sejam enviados pelos tribunais regionais ao TSE.
A lentidão no julgamento final do TSE é atribuída a vários fatores: um número grande de recursos, proporcionado pela própria vigência da lei; o fato de a maior parte desses pedidos só ter chegado à Corte na segunda quinzena de setembro; e o número reduzido de ministro do TSE - são apenas sete para julgar. Junta-se a isso o fato de três ministros do TSE serem também do Supremo Tribunal Federal, que faz o histórico julgamento do mensalão, inclusive a presidente do TSE, Cármen Lúcia.
A expectativa de Cármen Lúcia é concluir o julgamento de todos os recursos antes da diplomação dos eleitos, que ocorre em 19 de dezembro. Mas nas próximas semanas será dada prioridade ao julgamento dos recursos de candidatos que obtenham amanhã votos suficientes para disputar o segundo turno.
Além do esforço para fazer valer a Lei da Ficha Limpa, a presidente do TSE fará hoje pronunciamento em rede nacional de rádio e TV para reforçar a importância de os eleitores votarem segundo os preceitos da lei que tenta barrar os fichas-sujas.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo e do TSE, argumenta que não houve prejuízo com a demora no julgamento, pois os candidatos puderam fazer a campanha, e o eleitor decide se vota em quem tem registro pendente ou não:
- Não se pode fixar prazo para juiz decidir.
Integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o juiz Marlon Reis prefere não polemizar com a demora no julgamento dos recursos da Ficha Limpa pelo TSE. Segundo ele, não é um fenômeno novo e a culpa é do modelo adotado:
- Já tivemos isso na eleição passada, e agora, com a Lei da Ficha Limpa em vigor pleno, há mais coisas a serem analisadas. No TSE, são sete juízes para apreciar todos os recursos, não é culpa do TSE. É falha do modelo. O eleitor precisará ter consciência de que, se o seu candidato estiver com o registro pendente, ele poderá não assumir. E considerar: vale a pena votar nele?
Para o professor de Ciência Política David Fleischer, é preciso ter mais agilidade nos Tribunais Regionais Eleitorais na análise dos processos contra os candidatos. Ele lembra que os candidatos têm até o início de julho para registrar suas candidaturas e que os registros só começam a ser analisados em agosto, quando termina o recesso forense.
- Os processos chegam em setembro no TSE, o prazo é muito reduzido. Muitos eleitores podem perder seu voto. Mas espero que a experiência desta eleição municipal sirva como "test-drive" para a eleição de 2014, e a Justiça Eleitoral possa agir ainda com maior rigor - afirmou o professor, salientando, no entanto, que o próprio receio da lei fez com que candidatos enquadrados nela já desistissem das candidaturas, como ocorreu com o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti.
Caso de Rosinha continua pendente
Nos bastidores, advogados eleitorais queixaram-se da falta de sessões extraordinárias para o julgamento dos processos. Na última quinta-feira, o plenário cassou o registro de Olímpio de Moura, candidato do PMDB à prefeitura de Catanduvas (PR) e enquadrado na Lei da Ficha Limpa porque, em 1979, quando comandava a prefeitura da cidade, fez um contrato sem licitação e foi condenado por um colegiado.
Na quinta-feira, o ex-governador de Alagoas Ronaldo Lessa (PDT) teve seu registro de candidato à prefeitura de Maceió negado pelo TSE por débito com a Justiça Eleitoral, quando registrou a candidatura, não por causa da Lei da Ficha Limpa. Lessa desistiu ontem da disputa.
Entre as decisões tomadas individualmente por ministros do TSE, e ainda pendentes de decisão final, está o caso da prefeita Rosinha Garotinho (PR), que tenta a reeleição à prefeitura de Campos dos Goytacazes.