Título: Milícias e geladeiras em busca do voto
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 04/10/2012, Mundo, p. 38
Tropa se juntará a Exército para controlar processo eleitoral; venda de produtos subsidiados é reforçada
VENEZUELA RUMO ÀS URNAS
CARACAS Ciente de que enfrenta a campanha mais difícil desde que chegou ao poder, em 1999, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pôs os principais programas sociais do governo e iniciativas polêmicas, como as chamadas milícias bolivarianas, em função de seu maior objetivo político: conquistar o quarto mandato consecutivo. Nas últimas semanas, o Ministério da Indústria e Comércio intensificou a venda de eletrodomésticos chineses do plano Minha Casa Bem Equipada, com descontos de até 60%, juros baixos e prazos de até 36 meses para pagar. Os chavistas se mostram confiantes, mas o governo atua como se existisse o risco de uma derrota nas urnas. Além de ter destinado cerca de US$ 200 milhões à campanha do líder bolivariano, segundo estimou a imprensa local, pela primeira vez as milícias de Chávez serão acionadas numa eleição nacional. No próximo domingo, os integrantes da tropa criada por lei há três anos se unirão às Forças Armadas na implementação do Plano República, destinado a controlar o processo eleitoral.
Para jornalistas que acompanham o dia a dia do presidente, as ações do Palácio Miraflores refletem um clima de preocupação que o próprio Chávez já não consegue esconder em seus discursos. Nos últimos dias, o presidente pediu literalmente o voto dos venezuelanos, numa atitude pouco comum em suas campanhas.
- Peço a maior quantidade de votos para que Chávez consiga a grande vitória e assim neutralizar os planos de desestabilização - declarou ontem o líder bolivariano.
O jornalista Hernán Lugo Galicia, do "El Nacional", admitiu que ver Chávez pedindo votos não é algo que ocorre todos os dias.
- Mostra que o presidente está nervoso pelo crescimento do opositor e pela possibilidade de que o resultado seja muito apertado - diz.
"INSPIRAÇÃO EM CUBA E NA LÍBIA"
A distribuição de eletrodomésticos da marca chinesa Haier começou em 2010, mas foi relançada em maio, com Chávez já em campanha. Como revelou a ministra da Indústria e Comércio, Edmeé Betancourt, dezenas de contêineres provenientes da China chegaram à Venezuela nos últimos meses com fogões, geladeiras, TVs, máquinas de lavar vendidos com descontos entre 30% e 60% e créditos de instituições como o Banco do Povo Soberano, que cobram juros de apenas 6%. Estima-se que 850 mil famílias já foram beneficiadas pelo acordo com a China, que recebeu em pagamento barris de petróleo venezuelano. O governo chavista também entregou automóveis chineses e iranianos, a preços até 15% mais baixos que os de mercado e com três anos de prazo para saldar a dívida.
- O governo criou a Missão 7 de Outubro para reforçar as demais missões, entre elas a Minha Casa Bem Equipada. A meta era clara: conseguir recursos para financiar os programas sociais em plena campanha - afirma Galicia.
A sensação na Venezuela é de que o Estado está trabalhando pela reeleição do presidente. Ontem, meios de comunicação locais denunciaram pressões para que todos os funcionários públicos de Caracas participem hoje do encerramento da campanha chavista. Os servidores não deverão trabalhar, mas comparecer aos locais de trabalho confirmar que irão à marcha.
A presença das milícias nos centros de votação de todo o país é outra novidade. Em seu editorial de ontem, Rafael Poleo, dono do "El Nuevo País", denunciou: "O escândalo aumenta quando sabe-se que os mercenários de Chávez compartilharão com os militares propriamente ditos a enorme responsabilidade do Plano República. Para as Forças Armadas será uma vergonha que deverão somar às já sofridas".
Na visão dos brasileiros Felippe Ramos e Luis Pinto, que estão ha vários meses em Caracas estudando o sistema político venezuelano, "as milícias são vistas pelo governo como um sistema de proteção da revolução". Segundo ambos pesquisadores, a tropa, que hoje contaria com cerca de 150 mil homens e mulheres de todas as idades, é inspirada no sistema cubano e até mesmo da Líbia de (Muamar) Kadafi".
Os milicianos recebem bolsa do Estado e fazem diversos tipos de treinamento, dependendo da capacidade e do nível de participação em operações do governo. O principal centro das milícias é o prédio 4F (referência à tentativa de golpe de Estado de 4 de fevereiro de 1992, liderada por Chávez), próximo ao Palácio Miraflores. O 13 de abril (quando Chávez recuperou o poder em 2002, depois do golpe dado por setores da oposição) é o dia nacional das milícias.
- Para Chávez, o golpe de 1992 foi cívico-militar, porque o presidente assegura que a sociedade pedia o fim do governo de Carlos Andrés Pérez - lembrou Ramos.
As Forças Armadas não manifestaram qualquer desconforto pela inclusão das milícias no Plano República. Pelo contrário, nesta semana os militares reiteraram sua fidelidade a Chávez depois de o candidato opositor, Henrique Capriles, ter anunciado que seu ministro da Defesa seria um general da ativa.
- Capriles despreza a instituição militar - afirmou o general e ministro da Defesa Henry Rangel Silva, descartando que qualquer general da ativa possa respaldar Capriles.