Título: Iranianos desafiam polícia e protestam contra a crise
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 04/10/2012, Mundo, p. 39

Mercado de Teerã para em repúdio à desvalorização recorde

Foi a primeira manifestação espontânea nas ruas de Teerã desde 2009. E embora sufocada pela ação rápida da polícia, pôs o Irã numa nova fase da pressão devido ao impasse internacional acerca de seu programa nuclear. Sem um acordo e com o peso das sanções internacionais crescendo cada vez mais sobre a economia, o país assistiu ontem a uma desvalorização recorde da moeda local, o rial: 40% em apenas uma semana. A inflação descontrolada alimentou uma pequena revolução de descontentes. Embalados por doleiros que operam no mercado negro no Grand Bazaar, o principal mercado de Teerã, centenas protestaram, inclusive mulheres. Lojas e casas de câmbio foram fechadas, e latas de lixo incineradas sob críticas desafiadoras, em alto e bom som, contra o governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Em Washington, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, foi rápida. Disse que o governo iraniano era o único culpado pela deterioração econômica e que as sanções seriam removidas facilmente se o Irã cumprisse com suas obrigações nucleares. Mas, para analistas, o problema é maior que o castigo imposto pelo Ocidente frente às suspeitas de que a República Islâmica esteja buscando armas atômicas.

- A combinação das últimas rodadas de sanções com a dinâmica interna foi catastrófica. Ahmadinejad implementou péssimas reformas econômicas, cortando subsídios em um regime acostumado a comprar o consenso popular. Foi arriscado. Não se podia fazer isso quando há enorme pressão externa e quando o governo está dividido. O presidente carrega boa parte da culpa. As circunstâncias externas apenas tornaram miseráveis uma política ruim, de um governo que sequer se preparou para as sanções - avalia o pesquisador Alex Vatanka, do centro de estudos Middle East Institute, em Washington.

O público iraniano aparentemente sabe disso. Foi o presidente que esteve na mira dos manifestantes, e gritos furiosos pediam a renúncia dele. A pressão das restrições econômicas - que já derrubou a produção de petróleo de 4 milhões de barris ao dia para 1,5 milhão atualmente - paralisa um governo rachado em disputas entre Ahmadinejad e setores ultraconservadores ligados ao líder supremo, aiatolá Ali Khamenei. Ele, aliás, reagiu aos protestos no centro de Teerã com o habitual discurso segundo o qual o Irã não se dobrará às "pressões de potências arrogantes".

Na rua, porém, o clima esquentou. O Grand Bazaar amanheceu vazio. Comerciantes teriam fechado as portas em repúdio ao fracasso da política econômica e cambial do governo. Os doleiros protestaram abertamente. Travaram, segundo testemunhas, um jogo de esconde-esconde com policiais que tentavam caçá-los em motocicletas, com cassetetes, entre bombas de gás. A agência Mehr informou que "várias" pessoas foram presas - entre elas, dois cidadãos europeus, suspeitos de espionagem.

A manifestação ocorreu um dia depois de Ahmadinejad pedir, em uma entrevista na TV, que os iranianos não trocassem riais por moeda estrangeira, alimentando "um bando de especuladores" aliados aos EUA "numa batalha psicológica com o Irã". O apelo foi em vão.

- Não haverá uma revolução em curto prazo pois as forças de segurança são fiéis ao líder supremo - diz Vatanka. - Mas há poucos dólares no mercado, muita raiva, e as sanções continuam. Resta saber quanto tempo levará até que o regime admita negociar.