Título: A pedra já está cantada
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2009, Política, p. 10

Senadores se mobilizam para modificar projeto que legaliza bingos, aprovado pela CCJ da Câmara Garibaldi Alves foi o relator da CPI dos Bingos e é contra o projeto atual

Antes mesmo de ser votada pelo plenário da Câmara, a proposta que legaliza os jogos de azar (1)no Brasil já começou a movimentar o Senado. Parlamentares que participaram da comissão de inquérito (CPI) que investigou a venda de autorizações judiciais para o funcionamento dessas casas dizem que o projeto discutido pelos deputados caminha na contramão das propostas feitas pela comissão, em 2005, para sanar irregularidades. Por conta dessas divergências, um grupo de senadores já promete se articular para modificar o texto aprovado pelos deputados, ou caminhar paralelamente com outro projeto.

A diferença de visões sobre a importância da regulamentação do setor pode resultar em uma briga entre os integrantes das duas Casas e atrapalhar os planos das categorias que fazem lobby pela legalização dos jogos. Por conta das resistências de muitos senadores, os líderes partidários afirmam que será difícil fechar questão sobre o tema em suas bancadas e sequer arriscam dizer se a proposta tem chances de aprovação. Dizem que, apesar das críticas declaradas, o peso e a possibilidade de empresários do setor financiarem campanhas políticas podem transformar a oposição radical em disposição de aprovar outra proposta semelhante, ou simplesmente modificar o texto encaminhado pelos deputados.

Na mesa das discussões, o relator da CPI dos Bingos, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), quer colocar na pauta os projetos apresentados pela comissão, além de ter começado a fazer campanha por uma proposta de sua autoria. De acordo com o projeto apresentado por ele, somente os bingos de cartela poderiam ser legalizados, mas seriam proibidos de funcionar em estabelecimentos de circulação de pessoas e sua prática ilegal poderia ser enquadrada em cinco tipos de punições penais. ¿O problema é que as propostas da CPI não andam porque, quando partem de um colegiado, ninguém briga por elas. Por isso, apresentei uma proposta semelhante individualmente. E é por ela que vou brigar agora. Vou retomar as discussões e as conversas para avançarmos nesse assunto¿, diz o peemedebista. ¿Confesso que deixei esse tema meio de lado depois da CPI. Mas a possibilidade de os deputados votarem um projeto tratando disso fez com que a gente acordasse para o fato de que precisamos tomar a frente nesse processo porque vivemos de perto os problemas do setor durante as investigações da comissão.¿

Regras

A resistência aos termos da proposta de legalização dos jogos de azar que tramita na Câmara parte de integrantes de diferentes partidos no Senado. Os senadores defendem a adoção de regras mais rígidas para o setor e a legalização de apenas um tipo de jogo. No caso, apenas os bingos de cartela. A proposta da Câmara também libera as máquinas de caça-níqueis.

Apesar de a proposta agradar ao governo, que está de olho na arrecadação e nos votos do setor, há petistas contrários à matéria. ¿Em princípio, sou contra. Fui da CPI. Não acho que legalizar os jogos seja bom para o país. Vamos ter de discutir muito essa matéria na Casa. Não será fácil aprová-la¿, avalia Eduardo Suplicy (PT-SP).

Em defesa do texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o relator da matéria, deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), afirma que a proposta está bem amarrada e consta de todas as precauções para evitar práticas ilegais. ¿A questão nesse debate é a boa vontade do Senado. Não sei se os senadores leram o projeto que estamos discutindo. Provavelmente não¿, diz.

1 - Tramitação No último dia 16, a CCJ da Câmara aprovou a legalização dos jogos de azar no país. De acordo com o projeto, passam a ser legais o funcionamento das casa de bingos, videobingos e das máquinas caça-níqueis. O projeto prevê que as casas de jogos irão pagar 17% dos lucros em impostos. Esse percentual será dividido entre saúde (14%), segurança pública (1%), esporte (1%) e cultura (1%). A matéria agora está pronta para ser votada no plenário e, depois, segue para o Senado.

Cara a cara Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press - 6/12/07

Valdir Raupp, senador do PMDB-RO

¿Esse assunto é muito delicado. Nós, que vivemos a CPI, vimos como os jogos de azar podem resultar em práticas ilegais no país. Acho que é o momento de refletirmos, discutirmos melhor. Não concordo com a aprovação de uma matéria que pode render problemas futuros e que legaliza mais de um tipo de jogo de uma vez. Dificilmente esse projeto que está na Câmara passará da forma como está no Senado.¿

José Varella/CB/D.A Press - 17/3/09

Regis de Oliveira, deputado do PSC-SP

¿O projeto aprovado na CCJ está costurado, completo. Fechamos brechas, criamos crimes penais, determinamos a destinação dos recursos e a atuação da Receita Federal. Além disso, não estamos legalizando cassinos, por exemplo. Se o Senado tiver resistências, que aponte especificamente onde estão os problemas dessa proposta. Eu, como relator, tenho certeza de que o projeto está muito bem amarrado e o país só terá a ganhar.¿

Jogatina liberada

Principais pontos do projeto aprovado na CCJ da Câmara

Ficam liberados jogos de bingo, videobingo e caça-níqueis.

As casas de jogos pagarão 17% das receitas com as apostas em tributos. Esse percentual será dividido entre Saúde (14%), Segurança Pública (1%), Esporte (1%) e Cultura (1%).

A mesma empresa poderá explorar até três casas de bingo.

As casas de bingo deverão ficar a uma distância mínima de 500 metros de escolas.

Memória Primeiro escândalo Custodio Coimbra/Agencia O Globo - 3/5/06 Waldomiro Diniz era o homem de confiança do ex-ministro Dirceu

A polêmica em torno dos bingos surgiu em 2004, quando eclodiu o primeiro escândalo do governo Lula. Na época, foram divulgados vídeos nos quais Waldomiro Diniz, o homem de confiança do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, aparecia negociando com bicheiros o favorecimento dos jogos de azar em concorrências em troca de propinas e contribuições para campanhas eleitorais do PT. Com as denúncias, o Senado instaurou a CPI dos Bingos. No mesmo ano, em uma reação à crise, o governo editou uma medida provisória proibindo o funcionamento de casas de jogos de azar em todo o Brasil.

Por conta das pressões de empresários e funcionários do setor, em 2005, com a CPI já esfriada, o governo reiniciou as discussões para regulamentar o funcionamento dos jogos no país. Mas outro escândalo envolvendo jogos de azar jogou terra sobre os acordos que eram costurados. Em 2007, a Polícia Federal desarticulou um esquema de corrupção que consistia na venda de sentenças judiciais permitindo o funcionamento das casas de bingos.

Apesar das fraudes envolvendo o setor, em 2008 o governo reiniciou as conversas sobre a regulamentação dos jogos. Entretanto, o presidente da Câmara na época, Arlindo Chinaglia (PT-SP), anunciou que não pautaria matérias nesse sentido porque era contrário à legalização. O tema voltou à pauta este ano. Com o novo presidente na Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), o governo reiniciou as negociações e conseguiu avançar com a proposta de regulamentação.