Título: Com experiência abaixo da média
Autor: Rizzo, Alana; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2009, Brasil, p. 12

Duas das empresas contratadas para o exame nunca participaram de processos seletivos nacionais. Líder do consórcio é investigada por irregularidades em vestibular e responde a ação por fraudes em outro concurso

A dona da Consultec, Itana Marques, limitou-se a destacar a experiência da sua empresa no estado da Bahia

Com capital social de R$ 107 mil, a empresa baiana Consultec, que se transformou em líder do Consórcio Nacional de Avaliação e Seleção (Connasel) num contrato de mais de R$ 148 milhões, não tinha qualquer experiência em processos seletivos nacionais e dificilmente conseguiria arcar com a garantia contratual de 5% do valor da licitação e com o prejuízo de R$ 30 milhões provocado pela fraude. O mesmo vale para as outras duas empresas que integram o grupo: a Fundação de Apoio a Pesquisa, Ensino e Assistência (Funrio), do Rio de Janeiro, e o Instituto Cetro, de São Paulo. A primeira é uma entidade sem fins lucrativos e a outra, ligada à Cetro Concursos, tem patrimônio de R$ 392 mil. A Consulplan, que vai fazer o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) este ano, por exemplo, apresenta capital de R$ 1,5 milhão.

Depois da denúncia do jornal O Estado de São Paulo de que a prova foi vazada, o Ministério da Educação (MEC) adiou o exame que aconteceria em todo o país neste fim de semana e estuda romper o contrato com o consórcio. Neste caso, a prova contaria com a ajuda do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (Inep) e reforço dos Correios e das Forças Armadas. O MEC recebeu novas denúncias de que aplicadores do exame na Grande São Paulo e em Salvador teriam guardado as provas em casa.

O consórcio liderado pela Consultec foi o único a participar da licitação, depois que a Cesgranrio desistiu. A empresa baiana, investigada por irregularidades no vestibular da Universidade Estadual da Bahia, responde a uma ação civil pública por fraudes no concurso da Secretaria de Saúde do Estado. A investigação começou em maio, depois que o Ministério Público Estadual (MPE-BA) identificou falhas graves no processo coordenado pela empresa. De acordo com a promotora Rita Tourinho, o edital ¿ elaborado pela Consultec ¿ estipulava peso 1 para a prova objetiva e peso 3 para a de título. ¿Detectamos vício no edital e fizemos uma recomendação. A empresa e a secretaria insistiram em manter a irregularidade¿, disse a promotora baiana, ressaltando que várias testemunhas já foram ouvidas no processo que tramita em primeira instância.

Também estão sendo apuradas denúncias de que a empresa aceitou certidões falsas de tempo de serviço e que os deficientes foram excluídos do concurso homologado em setembro. Em outra ação, o MPE investiga a líder do consórcio por irregularidades em contratos temporários com o governo do estado.

Tourinho questiona o fato de todas essas contratações serem feitas com dispensa de licitação. A justificativa é a notória especialização. ¿É uma empresa pequena, sem estrutura e que começou a fazer todos os concursos e processos seletivos na Bahia¿, critica a promotora, completando que a Consultec não tem gráfica e subcontrata empresas para serviços acessórios. ¿É preciso muita tecnologia e uma estrutura grande para se fazer um exame deste tamanho¿, conclui.

Representante da Consultec, Itana Marques Silva afirmou, durante entrevista no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), que nenhuma organização possui ¿expertise operacional¿ de todas as etapas, tendo, portanto, que contratar outras empresas. Com relação às demais empresas do consórcio, Itana afirma que as tarefas foram compartilhadas. ¿Identificamos as etapas de trabalho e partilhamos em todas as fases¿, explica a sócia da empresa.

A informação é diferente daquela apresentada pelo Instituto Cetro. De acordo com a organização sem fins lucrativos ligada ao Cetro Concursos, a responsabilidade do instituto paulista era apenas de fazer as provas nas penitenciárias, apesar de o grupo nunca ter feito provas nas escolas de presídio. O instituto desenvolve trabalho social de capacitação profissional de presas que estão em fim de sentença. A reportagem não conseguiu falar com a Funrio. No mês passado, a fundação preparou concurso para o Ministério da Justiça que também foi adiado. Nomes de inscritos não constavam em listas e provas estavam com o lacre violado. Sobre as denúncias de investigações nas empresas do consórcio, o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, minimizou o problema: ¿Se isso fosse critério, não sobraria uma.¿

Segurança

Nem mesmo os mais de R$ 2 milhões investidos em segurança no Enem foram capazes de evitar a fraude. O orçamento para a segurança foi dobrado pelo Ministério da Educação, que estipulou no projeto investimentos de R$ 1,4 milhão na fase de transporte das provas; R$ 320 mil em quatro postos de segurança 24 horas por dia e outros R$ 400 mil para efetivo em 10 dias.

No papel

O que exigia o edital:

Capacidade técnica compatível com avaliação de conhecimentos ou de aprendizagem, compreendendo aplicação, correção de provas, análise e processamento de dados e resultados

Profissional de nível superior com qualificação técnica no quadro permanente de pessoal

Estrutura operacional para a realização dos serviços

Ainda sem resposta

Renata Mariz

Um dia depois de noticiado o vazamento das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que seriam aplicadas hoje a mais de 4 milhões de alunos, o Ministério da Educação não sabe dizer se o Connasel, atual consórcio de empresas responsável pela operacionalização do exame, continuará à frente dos trabalhos, nem qual o novo dia dos testes e muito menos de onde teria partido a fraude.

Numa entrevista concedida no fim da tarde de ontem, Reynaldo Fernandes, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC que elabora as provas, destacou que apenas questões logísticas até então haviam sido discutidas.

Reynaldo destacou ainda que o MEC só se pronunciará sobre os desdobramentos do caso quando a reunião com o Connasel terminar. ¿Não será hoje nem no fim de semana¿, avisou.

Durante a entrevista, a presidente do Connasel, Itana Marques, também foi evasiva. Dona da Consultec, que responde como líder do consórcio, ela apenas destacou a experiência de 18 anos de sua empresa e minimizou o recente escândalo de vazamento das provas no processo de seleção da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Ouça entrevista com o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, e com Itana Marques

Comerciante na mira

Edson Luiz

A Polícia Federal tem pelo menos três linhas de investigação do vazamento das provas do Enem e a apuração pode se estender a outros estados, além de São Paulo, onde foi aberto inquérito na quinta-feira. Por enquanto, a equipe da Delegacia Fazendária da Superintendência da PF está relacionando pessoas que podem dar informações não apenas sobre as duas pessoas que procuraram o jornal O Estado de S. Paulo para oferecer as cópias dos exames que seriam aplicados neste fim de semana, mas também sobre a distribuição das provas.

Na prática, a investigação da Polícia Federal começa na segunda-feira, quando os policiais irão ouvir um comerciante que deu contatos de jornalistas para as duas pessoas que estavam com a cópia da prova, que seriam frequentadores de seu estabelecimento. A PF também vai convocar a jornalista para quem foi oferecido o material por R$ 500 mil. Além disso, o Ministério da Educação vai disponibilizar as fitas de vídeo de segurança das instalações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). A Polícia Federal trabalha com a possibilidade de as provas terem vazado da gráfica, de dentro do próprio Inep ou durante sua distribuição.

Apesar do prejuízo de R$ 30 milhões por causa do cancelamento das provas do Enem, os responsáveis pelo vazamento só responderão por dois tipos de crimes: (1)o de quebra de sigilo de documento público, por terem revelado provas até então sob segredo, e corrupção passiva.

1 - Doze anos de prisão A quebra de sigilo de documento público está enquadrado como estelionato, cuja pena vai de um a cinco anos de prisão, mas é agravada em um terço. Os crimes de corrupção passiva variam entre dois a 12 anos de detenção, dependendo da ficha criminal de seus autores. Nos dois casos, se o vazamento foi feito por servidor público no uso de sua função, a pena pode ser maior. Além disso, a União pode abrir processo administrativo para punir o funcionário ou para pedir ressarcimento pelos prejuízos.