Título: Ele não tem do que reclamar
Autor: Foreque, Flávio; Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 04/10/2009, Política, p. 2

À frente do Ministério do Esporte, Orlando Silva ganha musculatura com o rapasse de verbas à pasta. Mas é alvo de críticas sobre a ineficácia da política para o setor

A escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016 coroa uma política agressiva do governo Lula em relação aos esportes. A União não só se mostrou disposta a aumentar as despesas do ministério como também em investir recursos em grandes eventos esportivos. Os jogos pan-americanos no Brasil, por exemplo, tinham um orçamento inicial, nos três níveis de governo, de R$ 409 milhões. Realizado em 2007, o evento custou aos cofres públicos, na verdade, R$ 3,9 bilhões e foi alvo de questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU).

Logo no início do segundo mandato de Lula, o Ministério do Esporte recebeu um reforço em seu orçamento. Em 2007, o governo destinou à pasta R$ 1,36 bilhão ¿ valor simbólico perto do custo previsto para os jogos olímpicos na cidade maravilhosa, em 2016, na ordem de R$ 28,8 bilhões. Com o forte apoio do presidente, o recém-criado ministério, desde o início nas mãos do PCdoB, se consolidou e permitiu à legenda trocar a ideologia da foice pelo incentivo ao esporte. Após três anos à frente da pasta, o ministro Orlando Silva, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), ganhou musculatura para se candidatar a uma vaga na Câmara dos Deputados. O próprio PCdoB sofreu um inchaço nos últimos anos ¿ de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, a legenda aumentou em 31% o número de filiados nos últimos cinco anos.

Prefeito do Rio em 2007 e adversário do governo Lula, César Maia (DEM) agora elogia a gestão de Orlando Silva à frente do ministério. Em entrevista por e-mail, o democrata afirmou que o ministro tem a postura ¿impecável¿ de ¿socializar¿ as vitórias nos eventos e não querer capitalizar politicamente. ¿Se fosse assim, não seria candidato a deputado em São Paulo, mas no Rio.¿ De fato, a comitiva que desembarcou em Copenhague para o anúncio da sede das Olimpíadas de 2016 era um exemplo da socialização dos dividendos: além de Orlando Silva, outros políticos de olho nas eleições de 2010 participaram da solenidade em Copenhague, como o ministro do Banco Central Henrique Meirelles (PMDB) e o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP).

Atento aos dividendos políticos, o Congresso também amplia recursos para o Ministério do Esporte. Somente no ano passado, deputados e senadores solicitaram R$ 2,5 bilhões em emendas para desporto e lazer ¿ um pouco mais do que o total do ano anterior, R$ 1,7 bilhão.

Lei geral Apesar de altos investimentos, o Ministério do Esporte e o Congresso Nacional são alvo de críticas devido às escassas propostas de políticas estruturantes para a área e a ausência de uma lei geral do esporte. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam carência de políticas de inclusão social e de fortalecimento dos clubes. ¿Estamos ampliando o debate, mas ele não tem a relevância ideal¿, reconhece o deputado Afonso Hamm (PP-RS), presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados. ¿No Congresso o esporte é muito mais para festa do que trabalho. A atividade é muito mais naquilo que possa implicar simpatia do que desgaste político¿, afirma o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), presidente da CPI do Futebol, instalada há nove anos.

Investigações Em 2000, duas CPIs foram criadas para investigar o esporte mais popular no Brasil. Na Câmara, batizada de CBF/Nike, a comissão teve o objetivo principal de analisar o papel da parceira da confederação nas atividades da seleção brasileira. No Senado, a CPI do futebol investigou a cartolagem no país. Ao todo, 17 pessoas foram indiciadas ¿¿ entre elas Wanderley Luxemburgo e o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, acusado de crimes como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

Olimpíadas na berlinda

Segundo Flávio de Campos, professor de História da Universidade de São Paulo (USP), o governo Luiz Inácio Lula da Silva defendeu em sua campanha uma verdadeira transformação no quadro de dirigentes esportivos no país. ¿O governo acabou tragado pela lógica da cartolagem brasileira¿, afirma. Segundo Campos, professor de história sociocultural do futebol, as políticas implementadas pelo Estado são, na verdade, pontuais. ¿Na verdade, a questão da dotação orçamentária (significativa) só demonstra a ausência de projetos.¿

O presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Luiz Felipe Guimarães Santoro, afirma, entretanto, que o Brasil deve aproveitar o ambiente político favorável ao desenvolvimento do tema e discorda daqueles que apontam a corrupção como fator negativo para a realização das Olimpíadas no Brasil. ¿O que nos cabe agora é fiscalizar e ver se vai sair tudo direitinho. Se tiver corrupção, evidentemente, ela vai ser exposta. Mas sou contrário a utilizar isso como argumento contrário à vinda dos jogos.¿

No Congresso, parlamentares já se mobilizam para fiscalizar de perto os gastos com o evento. ¿Ao tamanho da vitória, que é inegável, corresponderá igual cobrança. A partir de segunda-feira, vamos fiscalizar, não por espírito de oposição, mas pelos jogos olímpicos¿, afirma o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ). O parlamentar, no entanto, afirma ser ¿natural¿ o uso político da vitória brasileira na escolha da sede dos jogos olímpicos de 2016. ¿Sem dúvida, tanto o prefeito, quanto o governador e o presidente da República vão dizer que foram os principais responsáveis por essa conquista. O aproveitamento político é inevitável e até natural.¿

O cientista político César Romero Jacob afirma que o discurso eleitoral não ficará limitado ao incentivo ao esporte. O professor ressalta que discurso governista pode incluir ainda o aumento de empregos no Brasil e o prestígio internacional do país. ¿Isso tudo joga com o imaginário das pessoas e nas mãos dos marqueteiros vai ser explorado em todas as suas dimensões¿, conclui.