Título: Anúncio de juros zero pode ser proibido
Autor: Bonfanti, Cristiane
Fonte: O Globo, 17/10/2012, Economia, p. 28

Em audiência pública no Senado, ministro do STJ diz que é preciso regra clara sobre concessão de crédito

CRISTIANE BONFANTI

BRASÍLIA

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), que passa por atualização no Congresso Nacional, deverá proibir a publicidade de crédito sem juros feita por empresas brasileiras. Presidente da comissão de juristas responsável pelo parecer dos três projetos de lei que tratam das mudanças, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin disse ontem que a comissão decidiu obrigar os fornecedores a dar informações minuciosas aos consumidores sobre os custos dos financiamentos, após discutir o tema com o setor produtivo e associações que representam as instituições financeiras.

Na avaliação do ministro, a transparência do custo total é o aspecto mais "candente" na atualização do código. Ele ressaltou que hoje todos os consumidores, do analfabeto ao mais culto, são enganados quanto aos juros. — Se todos fazem, há uma sensação de normalidade nesse comportamento. Não é possível, numa economia de mercado, se ter crédito sem juros. E, no Brasil hoje se anuncia venda de automóvel em 36 vezes sem juros. Não preciso de especialista para indicar que aí está uma gravíssima violação do direito consumidor — observou, durante audiência pública no Senado, informando que a atualização trará regras sobre a liquidação antecipada de dívidas.

— Hoje, o consumidor tem dificuldade para fazer liquidação antecipada. Não consegue liquidar seus débitos — disse o ministro, que espera que as mudanças sejam aprovadas no Congresso o mais rápido possível.

Outra preocupação levada em conta na revisão do Código do Consumidor diz respeito ao superendividamento. O governo quer que os brasileiros sejam bem informados antes de tomar um crédito. O parâmetro para considerar um consumidor superendividado será quando suas dívidas superarem 30% do rendimento líquido, o mesmo utilizado pelas instituições financeiras para conceder empréstimos com desconto em folha de pagamento. A maior parte das firmas financeiras tem um balizamento — que varia de instituição para instituição — mas não existe uma regulação, a não ser em relação ao crédito consignado.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ressaltou que o Brasil está inserido em um novo momento histórico, em que mais de 30 milhões de brasileiros ascenderam à classe média na última década:

— Pessoas que estavam longe do Código de Defesa do Consumidor porque não consumiam, agora consomem. Para que um país se desenvolva, é necessário ter crédito. E para se ter o crédito, é preciso ter regras protetoras.

Cardozo salientou, como ponto importante inserido na parte de superenvidamento, a garantia de um mínimo existencial para o consumidor sobreviver e afirmou que seria importante que as questões de superendividamento fossem tratadas na esfera administrativa, por meio dos Procons, antes de ir à Justiça. As alterações propostas pela comissão para tratar o superendividamento não incluem os Procons. O ministro ressaltou ainda que as alterações no CDC deveriam ficar restrita às três áreas analisadas pela comissão de juristas: superendividamento, comércio eletrônico e ações coletivas.

O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel de Oliveira, considera que a proibição, caso seja mesmo incluída no código, não deverá surtir efeito no dia a dia: — O fato de a proibição constar no CDC não vai impedir essa prática que é adotada por algumas empresas. É algo muito difícil de se proibir. A solução para que as pessoas tenham consciência dos juros que estão pagando é a educação financeira — disse.

EMPRESAS OMITEM CUSTO DO CRÉDITO

Larisssa Davidovich, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública (Nudecon) diz que, apesar de o CDC já obrigar que as empresas informem o custo total do crédito, isso não é cumprido:

— É importante reforçar esta obrigação, até porque há muitas falhas nas informações e isso é uma das causas do superendividamento. Mas, o mais relevante é que esta alteração trouxe uma regulação concreta para o superendividamento que não existe em nenhuma lei no Brasil. As empresas tem leis que a ajudam a sair de uma falência, o consumidor não tem nada. A publicidade de crédito é agressiva e diz que deve ser usado para realizar sonhos, mas crédito só deve ser utilizado para necessidades.

Juliana Pereira, secretária da Secretaria de Defesa do Consumidor (Senacon), afirmou que está investindo no monitoramento dos custos da concessão de crédito, pois muitas vezes as instituições não cobram juros, mas colocam este custo embutido em outro:

— Queremos a discriminação de cada item que envolve o crédito, uma espécie de check list, para ajudar o consumidor a comparar os preços reais e estimular a competitividade.

Além de regular o comércio eletrônico — matéria não tratada no atual código — e garantir a segurança das informações repassadas pelos consumidores às empresas, a atualização busca ainda aprimorar a aplicação da própria lei. A ideia é que, em vez de parar no Judiciário, os pequenos conflitos possam ser resolvidos nos próprios canais de atendimento das empresas, nos órgãos de defesa do consumidor ou mesmo em audiências de conciliação.

Outro tema abordado pela comissão de juristas é o spam. De acordo com o presidente da comissão de juristas, com a aprovação da nova norma, o consumidor só poderá receber informações em duas situações: quando já tem relacionamento com a empresa (por exemplo, quando possui o cartão fidelidade de uma companhia aérea) ou quando autorizar expressamente o envio de mensagens. Ele destacou, no entanto, que por melhor que seja a regulação não será possível resolver os problemas do spam criminoso ou do originado em outros países.