Título: Sem reformas, governo opta por fazer ajustes
Autor: Oliveira, Eliana
Fonte: O Globo, 15/10/2012, Desafios Brasileiros, p. 4

DESONERAÇÕES: Dilma concede incentivos setoriais para reduzir custo Brasil. No Congresso, propostas trabalhista, tributária e previdenciária estão paradas

Congresso Nacional. Reformas tributária, previdenciária e trabalhista dependem de negociações com parlamentares. Governo opta por aumentar a participação do setor privado

Sérgio Marques

As reformas tributária, previdenciária e trabalhista saíram do rol de prioridades do governo Dilma Rousseff. Para reduzir o custo Brasil e dar maior competitividade ao setor produtivo brasileiro, Dilma e sua equipe optaram pela realização de ajustes pontuais nas três áreas e na promoção de melhorias no atual sistema de infraestrutura e logística. O governo evita, com isso, uma desgastante e demorada negociação com o Congresso. E usa sua energia na elaboração de programas de concessões em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e energia elétrica, aumentando a participação do setor privado nos projetos.

- Acho que o Brasil perdeu o impulso das reformas. Não só o governo, mas o Congresso também. Acabou aquele ânimo reformista. A própria sociedade não me parece mobilizada - afirma o senador Armando Monteiro (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Segundo ele, não existe hoje no Congresso um grande projeto de reforma tributária, previdenciária ou trabalhista. Monteiro estima que, nos anos recentes, com períodos de relativa prosperidade econômica, surgiu a ideia de que o custo político das reformas não se justificava, na medida em que o país estava crescendo.

- Dilma é pragmática e foca em coisas pontuais. Não podemos deixar de reconhecer que ela está melhorando o ambiente tributário com as desonerações, incluindo a da folha de pagamento - diz Monteiro.

Mas o senador faz um alerta:

- O mundo inteiro está fazendo reformas por causa da crise econômica. O Brasil precisa fazer reformas amplas, pois terá prejuízos a médio e longo prazos. Temos uma legislação trabalhista que reclama mudanças, assim como a Previdência precisa de uma nova geração de reformas - explica.

O economista José Roberto Afonso, especializado em finanças públicas, afirma que soluções pontuais são a "antítese da reforma". Ele observa que o Brasil é um dos raros países que não promoveram qualquer reforma estrutural nos últimos anos e lembra que os Estados Unidos, por exemplo, conseguiram aprovar as reformas tributária e da saúde.

- Precisamos saber onde estamos e para onde vamos. Se o governo não propõe reformas, ou é porque considera que as coisas estão muito boas, ou porque não tem uma agenda. Que medida legislativa importante foi aprovada este ano? O Código Florestal? - indaga. - O excesso de regimes especiais provoca confusão, é danoso para a economia e aumenta a burocracia.

O senador José Pimentel (PT-CE), ex-ministro da Previdência e atual integrante da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, diz que já houve uma melhora relevante no sistema previdenciário do servidor público, com a criação da previdência complementar. Os demais segmentos (rural e INSS) não requerem reformas constitucionais e sim algum ajuste, acrescenta o parlamentar.

- As coisas andaram muito. Na área tributária, fizemos reformas nos âmbitos da União e dos municípios. Estamos trabalhando no comércio eletrônico e ainda debatemos a redistribuição do FPE (Fundo de Participação dos Estados). Fica faltando tratar do ICMS na origem e no destino - lembra o senador, acrescentando que a Casa aprovou ainda o fim da contribuição de 10% sobre a folha para financiar o déficit no FGTS.

Logística e energia se tornaram prioridades

Na opinião do pesquisador e professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, essas reformas estão em "estado latente" e precisam ser enfrentadas. Para ele, como a competitividade do país é baixa, qualquer alteração que se faça estimula o setor produtivo brasileiro.

- O governo está mexendo no que dá para mexer, sem ter de passar por uma negociação, para conseguir maioria no Congresso. Ainda há muito a se fazer - afirma Leite.

O economista Júlio Gomes Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, enfatizou que, apesar de as reformas constitucionais terem saído da lista de prioridades, o governo tem buscado a melhora da logística.

- Há em curso uma grande reforma em aeroportos, portos e rodovias. Também está em andamento uma reforma no setor de energia elétrica, que começou com o anúncio da redução da tarifa - destaca Almeida.

José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégia da CNI, acredita que mudanças no sistema tributário têm mais chances de acontecer. Ele cita como exemplos o debate em torno da tributação, pelos estados, do ICMS e os estudos em torno do PIS/Cofins.

- O governo está reconhecendo que, dados os problemas de competitividade no país, tem que avançar na agenda do PIS/Cofins, principalmente no que diz respeito à cumulatividade e ao crédito. O Ministério da Fazenda já concluiu um desenho que ainda precisa ser debatido com o setor privado - enfatiza Fernandes.

Ele considera que houve avanços na Previdência do setor público, mas destacou que o Brasil tem problemas graves no sistema previdenciário em geral que precisam ser resolvidos. Quanto à reforma trabalhista, Fernandes informou que a CNI e os sindicatos estão debatendo o assunto.

- Olhando o horizonte, todo esse capítulo de infraestrutura, em que o governo vai permitir a participação do setor privado nas concessões, é muito bem-vindo e dará resultados em três ou quatro anos. No entanto é preciso complementar essa agenda com as reformas que já estão previstas na Constituição - adverte.

Crise global atrapalha negociação

Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências, considera que o governo prefere fugir de uma longa negociação política, concentrando-se, dessa maneira, em tentar resolver problemas de curto prazo. Dentro do Executivo, as negociações costumam avançar bem mais rapidamente do que quando se envolve o Legislativo, observa ele.

- O governo dá sinal de que as reformas constitucionais são prioritárias, mas tem muita dificuldade para negociá-las. Um ponto positivo é que há projetos mais ambiciosos de desoneração de tributos - afirma Cortez.

Para José Matias Pereira, professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília, as reformas precisariam ter entrado na agenda política da presidente Dilma Rousseff já no primeiro ano de governo, ocasião em que o chefe do Executivo está extremamente fortalecido pelo resultado das urnas.

- O que estamos vendo são ações de remendo. É como tentar conter os vazamentos de uma represa - diz Pereira.

Ele acredita que o tema só voltará a ser tratado no primeiro ano do próximo governo, seja com Dilma ou outro presidente da República.

- Há algumas frentes de embate no campo econômico, por causa da crise mundial, que estão dificultando as articulações com o próprio Congresso - salienta o professor.