Título: Tecnologia ainda é a grande barreira
Autor: Batista, Henrique Gomes; Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 15/10/2012, Desafios Brasileiros, p. 7

Competência tecnológica é uma das condições essenciais para que um país se torne competitivo no mundo. Nesse aspecto, o Brasil revela altos e baixos. Ou, mais precisamente, de poucos pontos altos e muitas limitações tecnológicas. Registremos em primeiro lugar as vantagens competitivas brasileiras nessa área.

Há pelo menos dois setores em que o país já conseguiu avanço tecnológico e razoável capacidade competitiva global. A agropecuária é um desses setores, graças, especialmente, ao notável trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de algumas universidades. Vale lembrar que o Brasil disputa hoje o primeiro lugar no mundo na produção de alimentos graças ao domínio da tecnologia nessa área, não apenas nos segmentos de produção, mas, também, em áreas correlatas de correção de solos, genética, agroenergia e diversas formas avançadas do uso de biotecnologia, nanotecnologia, geoprocessamento e sensoriamento remoto.

O segundo setor em que o país já alcançou maturidade tecnológica e alto grau de competitividade é o da indústria aeronáutica, com o extraordinário desenvolvimento da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). Aliás, a competência brasileira nessa área teve sua origem na criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em 1950, por iniciativa do marechal do ar Casimiro Montenegro.

A Embraer disputa a posição de terceira maior indústria aeronáutica do mundo e tem hoje pedidos em carteira da ordem de US$ 12,3 bilhões. Suas exportações anuais nos últimos anos têm alcançado a média de US$ 5 bilhões, quantia equivalente a mais de cem vezes o orçamento do ITA. Eis aí uma das provas do extraordinário retorno do investimento feito em educação acadêmica e formação de especialistas de alta qualidade.

É claro que o Brasil tem ainda centros de excelência em outras áreas, como a competência da Petrobras em prospecção e exploração de petróleo em águas profundas. Ou ainda as centenas de trabalhos pioneiros em genética e nanotecnologia conduzidos em laboratórios universitários em todo o país.

O que ainda falta. Todos esses avanços, entretanto, são insuficientes para que o Brasil se torne um país competitivo do ponto de vista tecnológico, inclusive em áreas industriais como a da eletrônica. Embora o país disponha, de longe, da maior reserva de silício de grau eletrônico do planeta, sua competência em microeletrônica ainda é muito baixa.

Nesse sentido, o déficit anual da indústria eletrônica brasileira poderá alcançar este ano a marca recorde de US$ 30 bilhões, considerando tudo que o país exporta nesse setor e o que importa em componentes, materiais, software e serviços. E, pior, esse déficit tende a crescer, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).

A indústria de software, embora tenha sido apontada como uma das mais promissoras há alguns anos, ainda não decolou como a da Índia, por não ter sido contemplada com a devida prioridade nos programas de desenvolvimento tecnológico do país.

Pouca pesquisa. Não há desenvolvimento tecnológico nem inovação sem permanente investimento em pesquisa e desenvolvimento. Esse é outro desafio que o país ainda não consegue enfrentar. E não é por falta de recursos específicos criados por lei para financiar o desenvolvimento tecnológico. Veja-se a situação dos fundos setoriais de telecomunicações, recolhidos pelas operadoras de telecomunicações: 1) Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust); 2) Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel); e 3) Fundo de Tecnologia de Telecomunicações (Funttel).

Em seu conjunto esses fundos recolhem anualmente mais de R$ 5 bilhões, de cujo total são confiscados mais de 80% e destinados ao sorvedouro do superávit fiscal. Ao longo dos últimos dez anos, o montante confiscado desses fundos pelo Tesouro Nacional superou os R$ 40 bilhões. Imaginem o salto para o país se esse valor total tivesse sido aplicado em pesquisa tecnológica em áreas estratégicas como microeletrônica e software.

Mão de obra. Como fabricar tablets e computadores avançados no país, de forma competitiva, sem a oferta de engenheiros e técnicos devidamente qualificados? Esse é o exemplo mais dramático do estrangulamento do desenvolvimento brasileiro, popularmente designado pela expressão "apagão da mão de obra".

É claro que essa carência está relacionada a problemas de educação, pesquisa e formação de recursos humanos de alto nível.